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BDI Nº.30 / 1997 - Assuntos Cartorários Voltar

O BEM RESERVADO

O BEM RESERVADO, Instituto de Direito Civil, privativo da mulher casada, foi por nós apreciado no BOLETIM CARTORÁRIO nº 30, pág. 2 ou BDI, nº 30 pág. 26, 3º decêndio-outubro de 1996, em face de um caso concreto ocorrido numa comarca do interior paulista. Lá está o nosso expresso entendimento. Transformamos o assunto como proposta de estudo para notários registradores. O Dr. MÁRIO PAZUTTI MEZZARI, conceituado e estudioso oficial registrador na comarca de Pelotas/RS, manifestou-se contrário ao nosso entendimento, e sua manifestação foi divulgada no BOLETIM CARTORÁRIO nº 2 - pág. 1 ou BDI, nº 2 pág. 25, 2º decêndio-janeiro/97. O notário catarinense, Dr. ADELOR CABREIRA, que muito valoriza o BOLETIM CARTORÁRIO, também expôs o seu entendimento e foi ele divulgado no nº 15, pág. 3 ou BDI, nº 15, página 33, 3º decêndio-maio/97. Somos levados - até com certo pesar - a reconhecer o pouco interesse que o assunto despertou nos notários e registradores que lêem o BOLETIM CARTORÁRIO. Voltamos novamente ao assunto, mercê o material que nos remeteu o Dr. MARIO PAZUTTI MEZZARI, cuja "consciência profissional" emerge de sua carta que transcrevemos, a qual revela esse nosso valorizado leitor, seu alto senso de cooperação e de colaboração com os colegas da classe. Antes de transcrevermos o acórdão e os votos dos ilustres Desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, contidos na apelação Cível nº 596.223.867, faremos uma síntese do assunto formulando esta indagação: O QUE É BEM RESERVADO? O art. 246 do Código Civil bem o conceitua e o caracteriza. Não o transcrevemos para forçar nossos leitores cartorários a manusear o Código. Dissemos naquele nosso primeiro trabalho, que o fundamento do BEM RESERVADO é eminentemente ECONÔMICO. Agora vamos fixar a finalidade do BEM RESERVADO, segundo o nosso entendimento: PROTEGER OS INTERESSES ECONÔMICOS DA FAMÍLIA. Representa ele mais do que um direito da mulher casada. Ampara a família, integrada pela mulher, pelo marido e pelos filhos. O ilustrado advogado que patrocinou o registro da escritura não acolhida pelo Dr. Mário Pazutti Mezzari, elaborou um excelente trabalho de natureza sociológica, que muito admiramos, e foi pela sua erudição acolhido pela maioria dos julgadores. Registrada nossa admiração à cultura sociológica do culto advogado Dr. JOSÉ GILBERTO GASTAL, vamos novamente colocar o assunto no "terra a terra" das atividades notariais e registrais. Pelas manifestações mencionadas, anotamos três entendimentos. O PRIMEIRO entende que o BEM RESERVADO não mais existe porque o art. 246 do Código Civil foi derrogado pelo § 5º do art. 226 da Constituição Federal. O SEGUNDO é de que o § 5º do art. 226 da Constituição, igualando os direitos e deveres dos integrantes da sociedade conjugal, conferiu também ao marido o direito de instituir BEM RESERVADO. O TERCEIRO adotado por nós, contestando os dois outros, é de que perdura e permanece o BEM RESERVADO, tal como foi estabelecido pelo legislador civil, e não conflita com a igualdade de direitos estabelecida no preceito constitucional, considerando o FUNDAMENTO e a sua FINALIDADE. O espírito que norteou o legislador civil harmoniza-se com a igualdade estabelecida pelo legislador constituinte. Repetimos: O FUNDAMENTO do BEM RESERVADO é de ordem econômica. A FINALIDADE do BEM RESERVADO é manter a estabilidade do PATRIMÔNIO FAMILIAR e isso o legislador civil deixou expresso no parágrafo único. As dívidas contraídas pelo marido, não comprometem o BEM RESERVADO, "exceto as contraídas em BENEFÍCIO DA FAMÍLIA." Foi muito feliz o ilustre advogado em apreciar o assunto sob o enfoque sociológico e qualquer elogio que a ele possamos aqui registrar, seria ofuscado pelo voto do Desembargador Dr. JOSÉ MARIA ROSA TESHEINER, que na qualidade de relator transcreveu o seu arrazoado. NOSSO ENTENDIMENTO 1. Entendemos que ninguém perde e nem adquire direitos pela IGUALDADE; mormente quando essa igualdade propõe-se a igualar os desiguais. Filosoficamente, o termo igualdade significa a possibilidade de um ser substituído por outro, o que pressupõe a multiplicidade de partes. A própria pluralidade de partes impede que todas sejam igualadas no exercício de direitos quando a lei de forma expressa estabeleceu que o direito por ela criado só pode ser exercido exclusivamente por uma delas. Se o pressuposto, basilar da IGUALDADE está na diversidade das partes, a recíproca também é verdadeira, para justificar nosso entendimento de que o marido, pela igualdade, não adquiriu o direito estabelecido pelo legislador civil em favor da mulher. Isso no conceito filosófico de IGUALDADE. 2. Sociologicamente, no caso telado, a igualdade entre o marido e a mulher no exercício do direito de constituir BEM RESERVADO, para excluir o direito desta ou acrescer tal direito àquele, só resultaria num comprometimento do que o legislador civil de forma expressa se manifestou na Lei. O DIREITO deve ser fiel e obediente aos conceitos sociológicos dos fatos que disciplina através da norma, pois ele é o primogênito da Sociologia. 3. No conceito de IGUALDADE, também vamos encontrar uma coloração romântica, ou até mesmo poética, quando o legislador constituinte afirma que "TODOS SÃO IGUAIS PERANTE A LEI" (Art. 5º da CF). Com tal enunciado, o que se afirma é que a lei é igual para todos, mas nem todos podem IGUALMENTE desfrutar dessa igualdade. 4. Assim, quando o legislador constituinte estabeleceu que na sociedade conjugal os direitos são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher, ele simplesmente estabeleceu que os DIREITOS COMUNS DA SOCIEDADE CONJUGAL, são comuns na direção da família. Com tal preceito constitucional - segundo o nosso entendimento - a mulher casada não perdeu o direito de caracterizar em bem imóvel por ela adquirido como BEM RESERVADO e nem o homem casado adquiriu tal direito. A norma de Direito Civil cujo fundamento sócio-econômico que a determinou, permanece íntegro, válido e conseqüentemente vigente. Para nós, só a mulher casada dele pode se valer nas circunstâncias expressas. O que há de efetivo no caso apreciado, é um preceito legal que estabelece, caracteriza e disciplina os efeitos do BEM RESERVADO. O que esse preceito estabelece, não pode ser extinto em conseqüência de uma IGUALDADE que filosoficamente, sociologicamente e até mesmo poeticamente é impossível de ser estabelecida, contrariando até mesmo a natureza dos desiguais. Essa interpretação restritiva, ou precisamente afirmando, abolitiva de um direito contraria a própria finalidade do Direito que é a de disciplinar fatos sociais. O FATO SOCIAL regrado no artigo 246 do Código Civil continua existindo em toda a sua plenitude. Só um outro preceito legal da mesma natureza poderá alterá-lo ou suprimí-lo. 5. O direito estabelecido no artigo 246 do Código Civil em favor da mulher casada, o legislador constituinte não lhe tirou, pois, tanto no preceito da Lei Civil como no preceito constitucional, o que prepondera, o que prevalece, o que se preserva é a SOCIEDADE CONJUGAL. 6. Esse nosso entendimento é que nos levou a considerar válida a escritura lavrada pelo notário paulista e inválido o comportamento do oficial registrador, também paulista. Ao contrário do que ocorreu com a manifestação do Dr. MARIO PAZUTTI MEZZARI, até hoje, ignoramos a solução dada ao assunto e que motivou a nossa primeira apreciação. Esperamos que um dia o Conselho Superior da Magistratura de São Paulo se manifeste sobre o mesmo. A fortalecer o nosso entendimento de que o oficial registrador, ainda que entenda que o preceito constitucional aboliu o BEM RESERVADO, •••