Mulher que teve abastecimento de água cortado durante a pandemia deve ser indenizada
Uma moradora de Fortaleza ganhou na Justiça o direito de ser indenizada pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) após ter tido o fornecimento de água suspenso por quatro dias durante o período de isolamento social da pandemia de Covid-19. O caso foi julgado pela 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) e teve como relator o desembargador José Ricardo Vidal Patrocínio.
De acordo com o processo, em janeiro de 2021, funcionários da Cagece fizeram uma inspeção no hidrômetro e em toda a estrutura de medição do consumo de água da residência. Na ocasião, os especialistas informaram que o equipamento estava instalado na posição vertical e que deveria, obrigatoriamente, estar na horizontal. Foi lavrado um termo de ocorrência, que não foi assinado pela proprietária porque os funcionários não a responderam sobre qual ato normativo fundamentava tal regra. Segundo ela, os agentes da companhia garantiram que a situação não ensejaria corte no abastecimento.
A mulher recebeu um prazo de cinco dias úteis para comparecer à concessionária para a regularização, o que não foi possível porque, na época, sua sogra foi internada com Covid-19 e faleceu. Depois disso, a moradora começou a apresentar sintomas da doença e, logo após, a enfermidade também acometeu seu marido, fazendo com que a família precisasse enfrentar um longo período de isolamento social. Enquanto ainda estava no hospital como acompanhante do esposo, em março daquele ano, a mulher soube por um familiar que a Companhia estava realizando o corte de água.
Mesmo em quarentena, ela procurou atendimento presencial na companhia para resolver o problema, mas só conseguiu agendamento para dali quatro dias. Argumentando que a suspensão do serviço por tal motivo não está prevista em nenhuma lei, normativo, portaria ou resolução, a dona do imóvel procurou a Justiça para que o abastecimento de água fosse religado, bem como para pleitear uma indenização por danos morais.
Na contestação, a Cagece explicou que a fiscalização foi motivada por oscilações mensais no consumo e que a ligação de água na posição vertical estava fora dos padrões, configurando uma intervenção nas instalações do serviço público. A empresa reforçou que a mulher se recusou a assinar o termo de ocorrência lavrado e defendeu que não cometeu qualquer ato ilícito, uma vez que é possível a suspensão do abastecimento no caso de constatação de irregularidades. O serviço foi restabelecido diante da liminar proferida no contexto do processo.
Em maio de 2022, a 19ª Vara Cível de Fortaleza considerou que a empresa não foi razoável diante do cenário enfrentado pelo mundo durante a crise sanitária de Covid-19. Além disso, destacou que, conforme a Agência Reguladora do Estado do Ceará (Arce), somente a Cagece pode instalar, substituir ou remover o hidrômetro, ou seja, o consumidor não tem qualquer responsabilidade sobre a instalação do aparelho. Desse modo, seria necessário provar que houve alteração na estrutura original do equipamento. Por isso, o juízo fixou a reparação por danos morais em R$ 10 mil.
A Companhia apelou ao TJCE (nº 0217558-24.2021.8.06.0001), reforçando que agiu corretamente quando suspendeu o serviço e que a prática é prevista em lei. Além disso, a empresa alegou que a mulher não comprovou os danos morais que ensejassem a indenização arbitrada e pediu a reforma da sentença.
Em 7 de fevereiro de 2024, a 1ª Câmara de Direito Privado do TJCE decidiu manter a decisão de primeiro grau inalterada. "A concessionária não logrou êxito em comprovar que a parte autora seria responsável por alterar a instalação do hidrômetro, bem como não demonstrou se a posição vertical na qual se encontrava o equipamento tinha o condão de prejudicar a aferição adequada do consumo de água na unidade, não havendo sequer referência ao fundamento legal ou regulamentar específico acerca da posição apropriada do hidrômetro. Vale registrar que a situação narrada, certamente, ocasionou efetivo abalo aos direitos da personalidade da consumidora, do que se extrai o dever de indenizar da concessionária", votou o relator.
Durante a sessão foram julgados 244 processos e realizadas 11 sustentações orais. O colegiado é formado pelos desembargadores Emanuel Leite Albuquerque, Raimundo Nonato Silva Santos, Francisco Mauro Ferreira Liberato (Presidente), José Ricardo Vidal Patrocínio e Carlos Augusto Gomes Correia.