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BDI Nº.11 / 2005 - Comentários & Doutrina Voltar

DA EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE DOS FIADORES, EM CONTRATO DE LOCAÇÃO. PRONUNCIAMENTOS CONTRA LEGEM DO STJ

Luís Camargo Pinto de Carvalho (*) 1. Introdução 1.1. Para não recuarmos a tempos mais remotos, cumpre lembrar, em relação à locação de imóveis residenciais, que a famosa Lei nº 1.300, de 28 de dezembro de 1950, editada para vigorar até 31 de dezembro de 1952, em virtude do seu caráter provisório, vigorou até 30 de novembro de 1964, quando adveio a Lei nº 4.494, de 25 de novembro de 1964, que a revogou expressamente; este diploma, com modificações mais ou menos relevantes no curso da sua vigência, vigorou até maio de 1979, quando foi inteiramente substituído pela Lei nº 6.649, de 16 de maio de 1979. Esta vigorou até 20 de dezembro de 1991, visto que substituída pela atual Lei nº 8.245 de 18 de outubro de 1991, que entrou em vigor 60 (sessenta) dias após sua publicação. Esta, ao revogar também o Decreto nº 24.150/34, passou a regular não apenas a locação de imóveis residenciais, como também os não-residenciais, comerciais e industriais.1 1.2. A Lei nº 1.300/50 não continha regra específica sobre a responsabilidade do fiador, no entanto, em face de o seu art. 12 dispor que “Consideram-se prorrogadas por tempo indeterminado, as locações cujo prazo expirar na vigência desta lei”, discutiu-se se prevista em contrato a responsabilidade do fiador até a entrega das chaves, estaria este exonerado após o decurso do prazo contratual, haja vista a lei não tratar do assunto de modo expresso. Os pranteados e insignes comen-tadores dessa lei, Luís Antonio de Andrade e J. J. Marques Filho, em obra imperecível sobre a matéria, afirmam, depois de discorrerem sobre se a responsabilidade perduraria em face da prorrogação ope legis da locação: “Pode ocorrer, entretanto — e ocorre freqüentemente — que, embora fixado o prazo de duração do arrendamento, no contrato o fiador se obrigue “até a entrega das chaves” ou “até a efetiva devolução do imóvel locado”. Indaga-se, então, se também nessa hipótese, fica exonerado o fiador depois de decorrido o prazo contratual. Em maioria, a jurisprudência é no sentido de que, em tal caso, perdura a responsabilidade do fiador, não obstante o vencimento do prazo da locação” (Locação Predial Urbana, Max Limonad, 2ª ed, 1956, t. I, p. 215). Oswaldo Opitz, outro douto comentador desse diploma, após sustentar de forma contundente e com amplo respaldo doutrinário que a garantia fidejussória prorroga-se, tacitamente, se o fiador não manifestar sua recusa depois de findo o prazo do contrato, em virtude de este se prorrogar por força da lei, acrescenta: “A tendência jurisprudencial é no sentido de manter o fiador vinculado, solidariamente, ao locatário, durante a locação, se estava obrigado pela fiança, a garantir o locatário, até a entrega das chaves e a restituição do prédio. O fiador não pode invocar o fim do prazo da locação, para exonerar-se da fiança, desde que se comprometeu a garantir o senhorio até que restituísse o prédio ao locador. Enquanto isso não se der, a garantia subsiste. É comum nos contratos, o fiador se obrigar pelo prazo da locação e “até a entrega das chaves”. Assim sendo, prorrogado o contrato de locação, por força de lei, do mesmo modo se dilatou a garantia fidejussória, mas sem limitação. Pode usar da faculdade do art. 1.500 do Código Civil, que não foi revogado pela lei emergencial” (Problemas de Locação Predial, RT., 2ª ed., 1962, pp. 194-195). Por derradeiro, importante lembrar que esse também era o entendimento do eminente Eduardo Espínola Filho, manifestado em obra substanciosa: “Desde que se tenha obrigado, não só pelo prazo certo do contrato, mas até a entrega das chaves, a responsabilidade do fiador perdura, enquanto aquele fato não se registou, validamente” (Manual do Inquilinato no Direito Civil Vigente, Borsoi, 1963, p. 165). 1.3. A Lei nº 4.494/64 assim dispôs: “Art. 7º. Poderá ser convencionada a cobrança antecipada do aluguel, desde que não exceda de um mês e a locação não seja garantida por caução real ou fidejussória. Art. 8º. Consideram-se prorrogadas por tempo indeterminado as locações que se vencerem na vigência desta lei, continuando, entretanto, em vigor as demais cláusulas contratuais, e regulando-se o valor do aluguel pelo que dispuser esta lei. Parágrafo único. Se as garantias prestadas por terceiros estiverem limitadas ao prazo ajustado, poderá o locador exigir do locatário, durante a prorrogação, o pagamento adiantado do aluguel correspondente a um mês, ou, ainda, o depósito da quantia correspondente a três meses do aluguel.” O mesmo Oswaldo Opitz com sua filha Silvia Opitz, comentando esse diploma, registraram: “A fiança é um contrato, por isso as partes podem estabelecer cláusulas a seu respeito, de maior ou menor extensão, de modo que a responsabilidade do fiador pode ir até a entrega das chaves ou não. Pode ser por prazo certo ou não. Limitada ou não. Na hipótese de ser limitada, o fiador somente responde pelas dívidas indicadas; a ilimitada compreende todos os acessórios da dívida principal, inclusive as despesas judiciais, desde a citação do fiador (art. 1.486 do Cód. Civil)” (Comentários às novas Leis do Inquilinato, Saraiva, 4ª ed., 1974, p. 38). Esses autores colacionam diversos arestos no sentido desse escólio (p. 49), que, de resto, representava o pensamento pacífico da doutrina, também. 1.4. A Lei 6.649/79 trouxe a respeito do assunto as seguintes disposições: “Art. 31. No contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes garantias: I – caução em dinheiro; II – garantia fidejussória, na forma do art. 1.481 do Código Civil; (...). Art. 34. Se a fiança for por prazo certo, poderá o locador exigir do locatário, durante a prorrogação contratual, a apresentação de novo fiador, no prazo de trinta dias. Se este não o fizer, ficará sujeito à caução prevista no inciso I do art. 31.” Em face de a própria lei prever a fiança por prazo que alcançasse período ulterior ao do contrato (“se a fiança for por prazo certo...”), os autores que se debruçaram sobre esse texto não tiveram dúvida em registrar que “o fiador só responde, precisamente, pelo que declarou no contrato”, na lição do douto mestre pernambucano Nilton da Silva Combre, que acrescenta: “Se a fiança foi prestada com a cláusula até a entrega das chaves, a garantia se estende até o evento previsto” (Teoria e Prática da Locação de Imóveis, Saraiva, 1985, p. 334). Na mesma linha, o ensinamento do mestre Silvio Rodrigues, que, com o peso de sua autoridade de catedrático da Academia de São Paulo, registrou em obra específica, ao tecer anotações ao mencionado art. 34: “O presente artigo terá na prática, pequena repercussão, pois na quase-generalidade dos casos o locador não aceita a fiança por prazo certo e determinado, exigindo que o fiador assuma o encargo por todo o tempo que dure a locação, só se alforriando da obrigação com a efetiva entrega das chaves. Portanto, cláusula dessa natureza, hoje correntia e até mesmo impressa nos contratos de locação, faz com que a hipótese contemplada no artigo só raramente se apresente” [Da Locação Predial (Comentários à Lei n. 6.649, de 16-5-1979, alterada pela Lei n. 6.698, de 15-10-1979), Saraiva, 1979, p. 119]. Desse escorço histórico fica evidente o arraigamento na consciência jurídica pátria da validade da cláusula contratual que impõe ao fiador responder pela fiança até a efetiva entrega das chaves do imóvel ou entrega do prédio. 2. O direito em vigor. Chegamos à vigente Lei nº 8.245/91. Esta, seguindo a tradição do nosso direito e não desejando que o assunto ficasse à mercê da jurisprudência, trouxe, no art. 39, a seguinte regra: “Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel”. A motivação dessa regra está no § 1º do art. 46, que reza: “Findo o prazo ajustado, se o locatário continuar na posse do imóvel alugado por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação por prazo indeterminado, mantidas as demais cláusulas e condições do contrato”. Embora fosse do legado histórico do direito pátrio, como expusemos, a responsabilidade do fiador até a devolução do prédio, desde que houvesse cláusula contratual nesse sentido, esse diploma legal trouxe regra expressa de extensão da responsabilidade do fiador pelo período de prorrogação da locação por força de lei, não se fazendo mister que do •••

Luís Camargo Pinto de Carvalho (*)