CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS SOBRE BEM ESPECÍFICO. PODE O TABELIÃO LAVRAR A ESCRITURA?
O Novo Código Civil – ao contrário do Código de 1916 –, regulamentou mais detalhadamente o instituto da cessão de direitos hereditários¹. Conveniente é a transcrição dos artigos que interessam para o desenvolvimento do trabalho: Artigo 1791 - A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros. Parágrafo único: Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio. § 1º. (...) Artigo 1793 - O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro pode ser objeto de cessão por escritura pública. § 2º. Ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem de herança considerado singularmente. § 3º. Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, pendente a indivisibilidade. 1794 - o co-herdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro co-herdeiro a quiser, tanto por tanto. 1795 - O co-herdeiro, a quem não se der o conhecimento da cessão, poderá, depositando o preço, haver para si a quota cedida a estranho, se o requerer até 180 dais após a transmissão. Apesar da legislação apenas ter pretendido explicitar conceitos já sedimentados na doutrina, originou sérios problemas práticos em virtude da redação confusa dos parágrafos 2º e 3º do artigo 1793. É certo que aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros (artigo 1748 CC), de sorte que, salvo a existência de cláusula testamentária de inalienabilidade, legítima é a alienação desse direito. Contudo, tal transmissão não ocorre em relação a bens específicos, mas sim sobre o acervo, como um todo, na forma do artigo 1791 NCC, até que se ultime o processo de inventário. Somente após a partilha é que há a concretização do direito de propriedade em bens singularizados. Por essa razão, não pode o co-herdeiro, em princípio, realizar venda de bem individualizado, sob pena de afrontar o direito de propriedade dos demais herdeiros. Poderá, entretanto, ceder seus direitos hereditários por meio de escritura pública, na forma do artigo 1793², pagando o imposto incidente sobre a operação, desde que o faça em relação ao seu quinhão e não sobre um bem específico. Desse modo, se tiver participação, por exemplo, de 30 % sobre o acervo patrimonial do falecido, poderá o herdeiro ceder seu quinhão integralmente (30%) ou parte dele (10%, 15% ou 20%). Anote-se que a cessão de direitos somente pode ocorrer entre o período compreendido entre a morte do autor da herança e a partilha, pois a partir daí o bem já terá sido atribuído a um determinado herdeiro ou ao meeiro. Deverá o cedente obter a outorga uxória ou a autorização marital, na hipótese de ser casado, uma vez que a lei considera de natureza imóvel o direito à sucessão aberta (artigo 80, II, do CC), salvo se o regime for o da separação absoluta de bens (artigo 1647, caput, e inciso I do CC). Além disto, deverá ser respeitado o direito de preferência estabelecido no artigo 1794 do CC. Conclui-se, pois, que a cessão de direitos hereditários em relação a um quinhão ideal, no todo ou em parte, desde que respeitado o direito de preferência dos demais herdeiros, é um negócio jurídico válido e eficaz perante os demais herdeiros. Quanto a isto não há qualquer controvérsia, como expressamente autorizado pela legislação (artigo 1793 CC). A questão se complica, entretanto, na hipótese de co-herdeiro que aliena bem singularizado da herança. O direito pátrio sempre aceitou, com reservas, esse tipo de cessão em respeito ao princípio da indivisibilidade da herança, já consagrado no antigo 1580 do CC de 1916 e repetido no artigo 1791 do código em vigor. Assim, até a partilha dos bens os herdeiros possuem apenas um quinhão ideal sobre os bens que compõem a herança, de sorte que não podem alienar um bem singularizado, ainda que exerçam a posse exclusiva sobre ele. Justamente por não poder recair sobre bem específico é que a lei não contempla no rol do artigo 167 da LRP a cessão de direitos hereditários como negócio passível de inscrição no registro imobiliário. A despeito disto, sempre foram feitas tais escrituras nos tabelionatos de notas, tendo por cedente um co-herdeiro e recaindo o negócio jurídico sobre bem singularizado da herança. Ninguém, ordinariamente, compra um quinhão, mas um bem específico. Os tribunais, por sua vez, sempre consideraram o negócio válido, embora sua eficácia ficasse condicionada à efetiva atribuição do imóvel ao herdeiro cedente por ocasião da partilha. Nesse sentido, recomenda-se a leitura de tópico específico de Arnaldo Rizzardo, Direito das Sucessões, Editora Forense, 2ª edição, página 108. Na atual legislação nada foi modificado, não obstante essa não seja a opinião de boa parte dos comentadores do novo código. É que, diferentemente do que se tem afirmado, a lei não proíbe a cessão nas circunstâncias em comento. Ao revés, o novo código, com rigor técnico, estabelece a ineficácia da cessão em relação aos demais herdeiros, indicando, pois, que o negócio jurídico é existente e válido. Nesse sentido, veja-se a lição de José Luiz Gavião de Almeida, Código civil comentado, XVIII, Editora Atlas, página 48: “Inclui o legislador o negócio como válido, conquanto ineficaz. Assim, desde que suprido o elemento que impedia a produção de efeito jurídico ao ato, passa ela a vigorar. Isto é, com a partilha o bem é reservado ao herdeiro cedente, nesse instante, a cessão produz seus regulares efeitos.” José de Oliveira Ascensão, Direito das Sucessões, 4ª edição, Coimbra Editora, Portugal, 1989, página 535, por seu turno, afirma, com apóio no direito português (que no particular não difere do nosso), que tal negócio jurídico seria uma venda de •••
Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento Filho (*)