A APLICABILIDADE DA LEI DO GEORREFERENCIAMENTO – FINAL
Prazos carenciais para adaptação dos imóveis ao novo sistema A lei delegou ao Poder Executivo a obrigação de definir os prazos carenciais para que os imóveis rurais tivessem sua descrição tabular georreferenciada ao Sistema Geodésico Brasileiro. Esses prazos foram incluídos no artigo 10 do Decreto nº 4.449, de 30 de outubro de 2002, que definiu quatro faixas, de acordo com a área total do imóvel, estipulando os intervalos de 90 dias, um ano, dois anos e três anos. O decreto estipulou expressamente que o termo “a quo” dos prazos é a sua própria data de publicação, ou seja, 31 de outubro de 2002. Entretanto, as regras de como deveriam ser feitos os trabalhos técnicos de georreferenciamento e de como o Incra procederia as certificações somente foram publicadas um ano depois, em 20 de novembro de 2003, quando o Diário Oficial da União tornou públicas as portarias 1.101 e 1.102 e as instruções normativas 12 e 13. Diante desse anacronismo, a única interpretação justa é considerar o termo inicial dos prazos a data de publicação desses atos normativos que estipularam claramente as regras do jogo, ou seja, os prazos passariam a ser contados da seguinte maneira: – área igual ou superior a 5.000 hectares: 90 dias (18/2/2004) – área de 1.000 a menos de 5.000 hectares: 1 ano (20/11/2004) – área de 500 a menos de 1.000 hectares: 2 anos (20/11/2005) – área inferior a 500 hectares: 3 anos (20/11/2006) Isso não resolve o problema da inflexibilidade da legislação. Os prazos são muito exíguos, ousados, de cumprimento praticamente impossível, quer pelo proprietário rural, quer pelo Incra que necessita analisar os trabalhos e emitir as certificações. A ampliação mais realista dos prazos, pelo menos por 10 anos, é a melhor saída para a viabilização do programa nacional de cadastro de terras e regularização fundiária. A Lei dos Registros Públicos, que criou a matrícula, entrou em vigor em janeiro de 1976. Em quase 30 anos de vigência, muitos imóveis ainda não foram matriculados, estando ainda descritos nos velhos livrões. O cumprimento da lei do georreferenciamento é bem diferente, pois representa uma mudança muito mais drástica. A transposição dos “livrões” para as matrículas foi um ato mecânico quase automático, pois era um mero ato registral efetuado pelo oficial de registro quando do primeiro registro envolvendo o imóvel. Com o georreferenciamento, a situação é outra. Devem ser feitas novas medições, há que se contratar profissionais competentes e cadastrados no Incra, exige-se a utilização de equipamentos de última geração disponível a poucos, e trata-se de um sistema sofisticado, ultramoderno, que para ser implantado requer grandes mudanças de paradigmas. Além disso, os custos são altíssimos, muitas vezes impeditivos para o pequeno e médio proprietário rural. Ou seja, os prazos estipulados pelo decreto regulamentador não espelham a necessidade nem a realidade do País, tornando-se, em vez de um motivador para o cumprimento da lei, em sérios entraves no tocante ao direito de propriedade, cujo exercício é garantido pela Constituição do Brasil. Esse é o teor da proposta nº 1 da Carta de Araraquara: “1. Prazos – Redefinição de seu escalonamento para o Georreferenciamento”. [Nota da Redação do DLI: Os prazos foram redefinidos pelo Decreto nº 5.570, de 31.10.2005, e passam a ser os seguintes: Para imóveis com área de 500 a menos de 1.000 hectares, 31.10.2007; para imóveis com área inferior a 500 hectares, 31.10.2010. Ver DLI nº 34, 1º decêndio de dez./2005.] Gratuidade dos trabalhos técnicos O legislador já estava consciente de que os trabalhos técnicos de georreferenciamento seriam custosos para o proprietário rural e, para minorar tal problemática, criou uma espécie de isenção. O § 3º, in fine, do artigo 176 da Lei dos Registros Públicos dispõe que é “garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.” A definição do tamanho do módulo fiscal (M.F.) varia de município para município e é determinado com base em fatores locais, como a exploração predominante, a renda resultante dessa atividade e a influência de outras explorações expressivas em função da renda ou da área territorial utilizada. Município M.F. 4 M.F. Altamira-PA 75 ha. 300 ha Aquidauana-MS 90 ha. 360 ha. Conchas-SP 30 ha. 120 ha. Itacoatiara-AL 80 ha. 320 ha. Juazeiro-BA 65 ha. 260 ha. Londrina-PR 12 ha. 48 ha. Maceió-AL 7 ha. 28 ha. Manaus-AM 10 ha. 40 ha. Mossoró-RN 70 ha. 280 ha. Presidente Prudente-SP 22 ha. 88 ha. Resende-RJ 26 ha. 104 ha. São Félix do Araraguaia-MT 80 ha. 320 ha. São Paulo-SP 5 ha. 20 ha. Uberaba-MG 24 ha. 96 ha. Valor do módulo fiscal em alguns municípios brasileiros. Num primeiro momento, pode-se entender que, em Conchas-SP, por exemplo, apenas os imóveis com área de até 120 hectares estão abrangidos pelo direito à gratuidade. Mas a exata determinação de quais imóveis estão amparados pela gratuidade é bem mais complicada. O termo “módulo fiscal” foi criado pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964), em seu artigo 50, que cuida do cálculo do ITR (imposto territorial rural). Módulo fiscal é, portanto, uma forma de catalogação econômica dos imóveis rurais, variando com base em indicadores econômicos e de produtividade de cada região e indicadores específicos de cada imóvel. O aspecto econômico-social do módulo fiscal é facilmente verificado nos parágrafos do artigo 50 do Estatuto da Terra, tanto que o imposto nem incide sobre área igual ou inferior a um módulo fiscal, desde que em tal área haja cultivo estritamente familiar (§ 1º). O cálculo de quantos módulos fiscais possui cada imóvel rural leva em consideração dois aspectos: a região em que se encontra (aspecto geral) e as particularidades do imóvel (aspecto particular). O aspecto geral está expresso no parágrafo segundo do artigo 50, que define a determinação do módulo fiscal por município, que será expresso em hectares e quantificado com base nos seguintes fatores: a) o tipo de exploração predominante no município; b) a renda obtida no tipo de exploração predominante; c) outras explorações existentes no município que, embora não predominantes, sejam expressivas em função da renda ou da área utilizada; e d) o conceito de “propriedade familiar”. Quanto ao aspecto particular do imóvel, o §3º do artigo 50 prevê que “o número de módulos fiscais de um imóvel rural será obtido dividindo-se sua área aproveitável total pelo módulo fiscal do Município”. O § 4º do mesmo artigo estabelece: “constitui área aproveitável do imóvel rural a que for passível de exploração agrícola, pecuária ou florestal”. Continua ainda o § 4º: “não se considera aproveitável: a área ocupada por benfeitoria; a área ocupada por floresta ou mata de efetiva preservação permanente ou reflorestada com essências nativas; e a área comprovadamente imprestável para qualquer exploração agrícola, pecuária ou florestal”. A definição da gratuidade dos trabalhos técnicos do georreferen-ciamento também seguiu a mesma lógica: critério econômico, que deve levar em consideração não apenas o aspecto geral (tamanho do imóvel divido pelo módulo fiscal da região), mas também o aspecto particular do imóvel, ou seja, devem ser desprezadas as áreas economicamente não aproveitáveis. Para efetuar tal cálculo com segurança, bastaria consultar a declaração do ITR (DIAC-DIAT), em que constam tais informações. Assim, é bem possível que um imóvel rural com área total de 200 hectares localizado em Conchas, tenha apenas 4 módulos fiscais (120 hectares de área aproveitável), em virtude do desconto •••
Eduardo Agostinho Arruda Augusto (*)