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BDI Nº.8 / 2006 - Assuntos Cartorários Voltar

RECONHECIMENTO DE FIRMA EM RECIBO AVULSO DE VENDA DE VEÍCULO

Na dinâmica do mundo moderno busca-se, antes de tudo, segurança jurídica, geradora de paz social. Por delegação do poder estatal, cabe aos notários e registradores, que são profissionais do direito dotados de fé pública, gozando de independência no exercício de suas funções, a missão de dar ou negar curso à forma dos negócios entabulados pelas partes, agindo como fiscais da lei, prevenindo litígios, garantindo autenticidade, validade e eficácia aos atos que nessa condição praticarem. A função, desempenhada com prudência, em observância aos ditames legais, torna seguro e garantido o direito. O tema proposto ao estudo – reconhecimento de firma e recibo avulso de venda de veículo – não tem outra pretensão que não ensejar a reflexão, por parte de todos aqueles que atuam na área do direito, não só o tabelião de notas, embora a este caiba a incumbência pela prática do ato que ora se discute. No exercício de seu mister, o tabelião necessita ser prudente, conhecer e interpretar a lei, enfim, diagnosticar o caso concreto e dar-lhe solução. O reconhecimento de firma é ato pessoal e de sua competência exclusiva, não podendo ser constrangido a fazê-lo por qualquer meio ou forma (art. 658 – Prov. 01/98-CGJ/RS). É preciso analisar o ato sob a ótica da validade e da eficácia, de acordo com os princípios que norteiam o direito, para que seja válido, para que cumpra o seu papel no mundo jurídico, para que seja cabal, pleno e para que atinja o fim a que se destina, precisando ter, além da validade, também eficácia, pois se não a tiver, não produzirá efeitos, não se convalidará. A compra e venda de veículos, ainda que feita através de mero recibo, é contrato bilateral, na sua formação. Na classificação quanto à forma dos contratos, são eles consensuais, formais e reais. Tem-se, pois, nesse caso, que se trata de ato consensual e formal, por haver previsão quanto a que assim o seja, como adiante se verá. O art. 421 do Código Civil brasileiro dispõe que “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Por aí se verifica que embora exista o direito de contratar com liberdade, há que se respeitar imposição de ordem pública, de modo que o contrato cumpra a sua função social. Quanto à função social do contrato, para Nelson Nery Junior (Código Civil Comentado, 3ª edição revista e ampliada, 2005, Ed. Revista dos Tribunais, p 378): a mais destacada é a econômica, isto é, de propiciar a circulação de riqueza, transferindo-a de um patrimônio para outro (Roppo, Il contratto, p. 12 et seq). Essa liberdade parcial de contratar, com objetivo de fazer circular riqueza, tem de cumprir sua função social, tão ou mais importante do que o aspecto econômico do contrato. Por isso fala-se em fins econômico-sociais do contrato como diretriz para sua existência, validade e eficácia... o contrato tem de ser entendido não apenas como as pretensões individuais dos contratantes, mas como verdadeiro instrumento de convívio social e preservação dos interesses da coletividade... Em especial nos dias de hoje, o tabelião, como profissional do direito que é, não pode ser um mero carimbador de papéis, necessitando, antes de tudo, conhecer o ato que vai praticar, ter ciência de seu alcance social, das conseqüências dele decorrentes, da sua validade, eficácia e efeitos correspondentes. Como é sabido, o único documento válido e aceito como recibo para transferência de veículos automotores, pelo Detran, é o Certificado de Registro de Veículo – CRV, também conhecido como Documento Único de Transferência (DUT), com a firma do vendedor devidamente reconhecida por autenticidade. Assim, nenhum outro documento, por mais especial que seja, afora os emanados do Poder Judiciário, será aceito para a transferência. Ocorre, entretanto, que aportam com freqüência, ao balcão de reconhecimento de firmas dos tabelionatos de notas, recibos avulsos de venda de veículos. Tal tipo de documento (sic), ainda que contenha reconhecida a firma do alienante, não surtirá efeitos junto ao Detran dos Estados, ou, no caso específico do Rio Grande do Sul, no Centro de Registro de Veículos Automotores - CRVA, por lhe faltar condição de validade ao processo de transferência. Entre outros inconvenientes do recibo avulso, o tabelião não tem como saber se quem está alienando possui a disponibilidade do bem, isto é, se é o seu verdadeiro dono. Pode parecer, ou se entender que não compete ao tabelião aferir a disponibilidade para a venda do veículo, assim como não lhe compete aferi-la no documento particular de alienação de bem imóvel, nos casos em que a lei não exija o instrumento público. Entendo que no primeiro caso cabe sim, ao tabelião, aferi-la. No segundo, não necessariamente. Parece haver um conflito. Para o reconhecimento de firma de venda de veículo exigi-se o CRV. Para o reconhecimento de firma de venda de bem imóvel por instrumento particular, de valor que não ultrapasse o teto legal (30 Salários Mínimos), não se requer a prova do domínio, ou da disponibilidade. A diferença está em que, para a transferência de propriedade do veículo, a lei exige documento expedido por órgão público – o CRV, que é, portanto, da substância do ato, não tendo eficácia para tal o recibo avulso, particular. Já para a transferência da propriedade imóvel, no caso exemplificado, a lei admite o instrumento particular, eis que o documento público somente será da substância do ato para alienação de imóveis de valor acima do teto. Na primeira hipótese, embora tenha ocorrido a tradição, pela entrega da coisa móvel, a efetiva transferência somente se dará com a troca de titularidade no órgão público (Detran), mediante a apresentação do documento válido. No segundo, o título particular será hábil à transferência do domínio, cuja tradição ocorrerá •••

José Hildor Leal (*)