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BDI Nº.18 / 2006 - Comentários & Doutrina Voltar

A INDISPENSABILIDADE DA ESCRITURA PÚBLICA NA ESSÊNCIA DO ARTIGO 108 DO CÓDIGO CIVIL

O artigo 108 do Código Civil encerra a regra geral da forma instrumentária essencial à validade dos negócios imobiliários, ao dizer: “Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”. Dita norma tem grande relevância no campo dos negócios jurídicos imobiliários, exigindo indivisa atenção dos profissionais do direito, sobretudo daqueles que mourejam nas atividades notariais e registrais, pois baliza forma indispensável à produção dos efeitos pretendidos sempre que o negócio se referir a direitos reais sobre imóveis, onde a regra é a escritura pública, excetuando-se os casos previstos em lei especial - sendo especial, não é aplicável a hipóteses não contempladas - e os casos em que o valor do imóvel não ultrapassar a 30 vezes o maior salário mínimo vigente no País. Fora isso, nenhum negócio envolvendo direitos reais sobre imóveis pode ser realizado sem escritura pública, sob pena de ser tido como não realizado, por inobservância da forma prescrita em lei, essencial à validade do negócio, não podendo, inclusive, e a toda evidência, ser registrado no Cartório do Registro de Imóveis, por submissão ao princípio da legalidade. Casos especiais de exceções à escritura pública As hipóteses em que é possível prescindir da escritura pública para a validade do negócio jurídico são: o compromisso de compra e venda de imóveis loteados (Lei nº 6.766/79, art. 26 (urbano); e art. 7º, Dec.Lei 2.375/87 (rural)), a venda e compra de imóvel de qualquer valor com financiamento mediante a contratação da alienação fiduciária em garantia, o mútuo com alienação fiduciária em garantia imobiliária, nos termos do SFI (Lei nº 9.514/97, arts. 38 e Parágrafo único do art. 22, com redação dada pela Lei nº 11.076/2004), a compra e venda de imóvel de qualquer valor com financiamento do SFH (art. 1º da Lei nº 5.049/66, que alterou o art. 61 da Lei nº 4.380/64), e, naturalmente, qualquer negócio jurídico envolvendo imóvel de valor igual ou inferior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País, por força da exceção trazida no artigo 108 do Código Civil. Contudo, nem sempre se tem observado a indispensabilidade da Escritura Pública para a formalização dos negócios envolvendo direitos reais sobre imóveis, cuja conseqüência inarredável é a invalidade desses negócios, ainda que sejam registrados no competente Registro de Imóveis, posto que o registro não tem o condão de validar negócios nulos, nos quais se enquadram os formalizados sem revestirem a “forma prescrita em lei” (art. 166, IV, NCC; art. 82 e 130, CC 1916). Vejamos alguns exemplos. Compra e Venda com o FGTS sem parcela financiamento A compra e venda de imóvel com utilização de recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, sem financiamento de parcela do preço por instituição integrante do SFH deve ser formalizada por escritura pública, nos termos do artigo 108 do Código Civil. Ocorre que muitos desses negócios são formalizados mediante instrumento particular, invocando-se para tanto o disposto no art. 1º da Lei nº 5.049/66, pelo fato da CEF comparecer nesses contratos. O art. 1º da Lei 5.049/66, que incluiu o § 5º ao art. 66 da Lei nº 4.380/64, diz: “Os contratos de que forem parte o Banco Nacional de Habitação ou entidades que integrem o Sistema Financeiro da Habitação, bem como as operações efetuadas por determinação da presente Lei, poderão ser celebrados por instrumento particular, os quais poderão ser impressos, não se aplicando aos mesmos as disposições do art. 134, II, do Código Civil (1916), atribuindo-se o caráter de escritura pública, para todos os fins de direito, aos contratos particulares firmados pelas entidades acima citados até a data da publicação desta Lei.” (Grifamos) Para compreendermos o alcance da norma acima, e não incorrermos num desvio de finalidade da lei, deve-se destacar que a Lei nº 4.380/64 teve por finalidade instituir “a correção monetária nos contratos imobiliários de interesse social, o sistema financeiro para aquisição da casa própria”, criar “o Banco Nacional da Habitação (BNH), e Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo” e dar “outras providências”. Ou seja: em nenhum tópico da lei ela tem por finalidade regular negócios com utilização dos recursos do FGTS do próprio trabalhador, para cujo desiderato é despiciendo ser o agente operador integrante do SFH. Essa base é essencial para compreensão da extensão da norma autorizadora da realização dos negócios imobiliários mediante instrumento particular. Aliás, o tópico destinado ao “Elemento Teleológico”, na Hermenêutica e Aplicação do Direito, Carlos Maximiliano (Forense, 2001) diz: “Considera-se o Direito como uma ciência primariamente normativa ou finalística; por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na essência, teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi redigida”. (Grifos originais) Destarte, para se aferir se há regularidade na formalização dos negócios de compra e venda de imóvel com utilização do FGTS, sem financiamento, através de contratos particulares, é necessário saber se esses negócios atendem à finalidade da lei que autoriza essa forma instrumentária, preenchendo os requisitos necessários, sem o que não encontram guarida para sua validade. Nas partes sublinhadas do art. 1º da Lei nº 5.049/66, que é o que nos interessa, e tendo em mira as regras de hermenêutica citadas, podemos identificar dois elementos concorrentes para autorizar a formalização do negócio imobiliário por instrumento particular: 1) ser a entidade integrante do SFH parte no contrato, e 2) ser parte no contrato como integrante do SFH, ou seja: ser parte em razão de financiamento concedido para fins habitacionais, na forma e para os fins estabelecidos na Lei nº 4.380/64, pois não havendo financiamento razão não há para exigir-se a qualidade de “integrante do Sistema Financeiro da Habitação”. Contudo, nos negócios de compra e venda de imóvel com liberação dos recursos do FGTS sem financiamento, não há nenhuma necessidade de qualquer das partes ter a qualidade de “integrante do Sistema Financeiro da Habitação”, e, se qualquer dos comparecentes tem essa qualidade, isso não tem o condão de ampliar o alcance do art. 1º da Lei nº 5.049/66 para hipóteses distintas do objetivo da Lei nº 4.380/64, de forma a alterar a essência do artigo 108 do Código Civil, dispensando-se a Escritura Pública. Ou seja: no contrato o que importa não é a qualidade de quem comparece, mas a qualidade com que comparece. Na liberação de recursos do •••

Valestan Milhomem da Costa (*)