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BDI Nº.23 / 2006 - Comentários & Doutrina Voltar

O DIREITO REAL DE SERVIDÃO – PARTE I

Conceito, Natureza Jurídica e Elementos Entende-se servidão1, art. 1.378 Novel Código Civil – NCC, como sendo o direito real imobiliário de uso, gozo ou de fruição em imóvel alheio, limitado, constituído pelo proprietário (declaração expressa ou testamento) sobre um imóvel de sua propriedade, visando a fornecer uma utilidade deste em benefício de imóvel pertencente à outra pessoa. “Art. 1.378. A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subseqüente registro no Cartório de Registro de Imóveis.” É também chamado de direito entre prédios, pois grava de direito real um imóvel - prédio serviente, em favor de outro imóvel – prédio dominante, sem consideração a quem sejam os proprietários, bastando serem pessoas distintas. Às pessoas apenas existe a referência a quem aproveita a utilidade fornecida pela servidão (dono do prédio dominante), ou a quem sofre o gravame (dono do prédio serviente). As servidões beneficiam e oneram sempre prédios, jamais pessoas. Por isso, dizemos que a servidão gera uma obrigação propter rem: vincula o dono do prédio serviente, seja quem ele for. Assim, críticas há com relação a conceitos de servidão e que englobariam o usufruto, o uso e a habitação. Preceitua Clóvis Beviláqua: “consistem em restrições impostas à faculdade de uso e gozo do proprietário, em benefício de outrem. Se a restrição recai sobre um prédio, para o fim de favorecer um outro, diz que a servidão é predial. Se se destina a proporcionar vantagens a alguém, denomina-se pessoal.” Interessante notar que tal classificação persiste ainda no NCC, art. 1386, parte final. Mais adiante retomaremos esse assunto. Para Carlos Roberto Gonçalves2, servidão é um ônus real, voluntariamente imposto a um prédio em favor de outro, onde há por parte do prédio serviente uma perda do exercício de algum dos direitos dominicais, ou tolerância que dele se utilize o proprietário do prédio dominante, tornando para ele mais útil ou agradável. Impõe, assim, a servidão uma limitação à plenitude do domínio sobre o imóvel, sofrendo um ônus ou gravame da seguinte ordem: a) não poder praticar determinados atos dominiais de utilização do seu imóvel, b) estar obrigado a suportar que o proprietário do prédio dominante pratique no serviente os atos destinados à extração da utilidade fornecida pela servidão. No que se refere à distinção de imóvel e prédio, cumpre salientar que prédio sempre significou em sentido jurídico, terreno, quer de grande ou pequena dimensão, contendo ou não, edificação. Exemplos da utilidade da servidão: um imóvel gozar de caminho suplementar a via pública; não perder uma vista privilegiada, porque o vizinho não poderá edificar; impedimento ao prédio serviente de não abrir janelas ou frestas que devasse seu pátio, jardim ou quintal etc. Assim, a utilidade ou o conteúdo da servidão pode ou não ter cunho econômico, podendo ser apenas um simples comodismo ou supérfluo, restando enquadrada na plena autonomia da vontade das partes. Em regra, a servidão traz uma vantagem ao prédio dominante maior que o ônus que o prédio serviente fica obrigado a suportar. Antes de ser um encargo, a servidão é uma condição de vida e de aproveitamento para o prédio dominante. A servidão de trânsito, por exemplo, nada mais representa que uma fração do domínio do serviente em favor do dominante. Outros exemplos para melhor caracterizá-la: o aqueduto – canalização, que é o direito de fazer com que a água necessária ao prédio dominante atravesse o serviente; a de iluminação ou ventilação; a de pastagem – direito do pecuarista em que seu gado penetre na área vizinha e lá se alimente; a de não construir a certa altura etc. Tem o caráter de direito real, que é a natureza jurídica do instituto, e todas as características de um ius in re: a aderência ao objeto, oponibilidade contra todos e direito de seqüela. Possui dois aspectos: um positivo – do imóvel dominante e um negativo – do imóvel serviente. Porém, por ser acessório do imóvel – não existe sem o prédio a que adere, não pode ser penhorada, hipotecada, nem cedida isoladamente3, acompanhando a sorte do prédio, como elemento da individualidade jurídica do mesmo. Desta sua condição decorrem a inalienabilidade, a indivisibilidade e a perpetuidade. Também impossível ser objeto de outros direitos reais, bem como daí decorrente a sua indivisibilidade. Seus elementos: a) dois imóveis, pertencentes a pessoas distintas; b) um direito de retirada de um imóvel de utilidades sobre outro; c) um ônus que grava o prédio serviente; d) a utilidade, alma da servidão e e) o caráter de direito real. Distinção entre as Servidões Prediais e Outras Espécies de Servidão Até aqui falamos do direito real de servidão, como aquele, constituído pelo proprietário sobre um imóvel de sua propriedade, visando a fornecer uma utilidade deste em benefício de imóvel pertencente à outra pessoa. Vimos também os elementos que integram esse instituto. Assim, e muito embora se consubstancie em ônus real, a chamada servidão administrativa é, nas palavras de Hely Lopes Meirelles4, na verdade um ônus real de uso, imposto pela Administração à propriedade particular para assegurar a realização e conservação de obras e serviços públicos ou de utilidade pública, mediante indenização dos prejuízos efetivamente suportados pelo proprietário. É de se notar então, que este instituto pouco se parece com o do direito real de servidão. Não há, pois, imóvel dominante, nem tão pouco um ius inter praedia5. Há sim, um verdadeiro usus, como no Direito Romano, onde cabia ao usuário usar a coisa alheia em seu interesse. Nas servidões administrativas a coisa é um imóvel de que serve o poder público, em nome da coletividade, no interesse deste. Nada mais. Parece assim idêntico ao instituto do direito real de uso de que trata o Decreto-lei 271/67. Configura assim, um ius in re aliena em que a res fica gravada de um direito real em favor de terceiro. Alguns autores até sugerem o nome de “uso administrativo” no lugar de servidão administrativa. A terminologia servidão administrativa, porém, é ainda a majoritariamente adotada. Como leciona Pontes de Miranda6: “É preciso que se conceituem, no direito administrativo, as limitações ao conteúdo do direito de propriedade e as “restrições”, entre as quais estão as “servidões”, sem se solapar a apurada terminologia do direito privado, fruto de séculos de pesquisas. Desde que se admita servidão sem ser em benefício de prédio falseia-se o conceito de servidão e a admissão de servidões irregulares impede todo o bom resultado dos esforços do cientista”. A servidão administrativa além de não se confundir com a servidão de direito privado do Código Civil, também não se confunde com a desapropriação, pois esta retira a propriedade do particular, e aquela apenas lhe impõe um ônus de suportar um uso público. Também não se confunde com a limitação administrativa, medida de caráter geral e não específica, imposta sob o fundamento do poder de polícia do Estado, gerando para o proprietário uma obrigação de não-fazer ou de deixar fazer, em prol do interesse coletivo, medida esta não indenizável, ao contrário da servidão. De toda sorte, porém, afastada a discussão de nomenclatura, as servidões administrativas entrariam na •••

Adriano Erbolato Melo (*)