A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE BEM IMÓVEL
INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo abordar a alienação fiduciária em garantia de bem imóvel como direito real de garantia posto no ordenamento jurídico pátrio. Neste sentido a temática proposta vai ao encontro da preocupação do indivíduo em garantir os seus interesses e os seus direitos. Assim, esta busca permanente faz com que, de acordo com a evolução sócio-econômica, surjam novos institutos com a finalidade de assegurar estes anseios e proporcionar o desenvolvimento sustentável. Com este intuito, a alienação fiduciária sobre bens imóveis apresenta-se como um instituto capaz de promover a segurança buscada pelo credor, através de um procedimento célere em caso de inadimplemento. Por outro lado, possibilita aquele que busca recursos financeiros para um investimento o pronto crédito, podendo, a garantia ser o próprio bem adquirido com o financiamento. Enfim, este instituto jurídico criado pela Lei.9.514, de 20 de novembro de 1997, alterado pelas Lei.10.931/2004 e Lei.11.076/2004, revela a importância da sua aplicabilidade no âmbito do direito das coisas e, conseqüentemente, no cenário sócio-econômico. 1. TEORIA GERAL DAS GARANTIAS REAIS Antes de adentrar na alienação fiduciária por excelência, é preciso traçar algumas linhas de conhecimentos transdisciplinares para maior compreensão da temática. No direito romano, até o ano 325 a.c, o devedor respondia fisicamente ou moralmente pelas suas dívidas, privando-se da vida ou da liberdade. Não se recorria às suas coisas para a garantia dos direitos. Com o surgimento da Lex Poeteia Papiria, o patrimônio do devedor começou a responder pelas suas dívidas. Surgiram, então, duas espécies de garantia: a) a pessoal ou fidejussória, em que uma terceira pessoa se obrigava pelo pagamento da obrigação de outrem, prometendo cumpri-la ou pagá-la caso o devedor principal não a cumprisse. b) real, em que o próprio devedor ou terceiro oferecia ou entregava uma determinada coisa para garantir o cumprimento da obrigação. Neste contexto, a primeira garantia real que surgiu foi a fidúcia, na qual o devedor transmitia a propriedade, dada em garantia, ao credor, sendo que este a devolveria assim que o débito fosse sanado. Todavia, este instituto gerava uma série de desvantagens para o devedor, conforme leciona Silvio Rodrigues1: a) ainda que o valor do prédio dado em garantia superasse muito o valor de dívida, o negócio esgotava as possibilidades de o mutuário obter outros empréstimos garantidos pelo mesmo prédio, posto que este, através da alienação, havia passado para o domínio do adquirente; b) se o credor vendesse a coisa, o ato seria válido, só restando ao devedor uma ação fiduciária contra o credor; c) o devedor ficava privado da utilização da coisa dada em garantia, eis que transferida a seu credor. Buscando sanar estas disparidades surgiu o pignus, onde o devedor transmitia somente a posse da coisa dada em garantia ao credor e não o domínio, até a satisfação do crédito. Por conseguinte, os romanos adotaram então a hipoteca (convenio pignus), comparada com a grega e contemporânea, em que o devedor conservava a coisa conciliando o interesse do credor, quanto à garantia, e do devedor, quanto à conservação do objeto do contrato. Porém, por não terem um sistema de especialização e publicidade, tornava-se este instituto um tanto precário. No século XIII, a especialização e publicização da hipoteca se perfectibilizou, tendo o mesmo ocorrido com o penhor. Na mesma esteira, a anticrese, antes dita como um pacto acessório que permitia o apropriar-se dos frutos da coisa, passou ao status de contrato autônomo. No cenário jurídico atual, no direito real de garantia, o credor tem assegurado na coisa, no seu valor ou na sua renda, a garantia de um crédito, que é o principal, sendo que o direito real é apenas um acessório, “é direito acessório, por ser subordinado a um direito principal. Em virtude de ser acessório, tem sua vida condicionada à própria vida do direito principal2”. A garantia real se apresenta mais eficaz que a fidejussória, pois grava um determinado bem do devedor ou de terceiro ao pagamento da dívida. Se ela recair sobre bens móveis é o penhor e a alienação fiduciária que a garantem; se for sobre bens imóveis, pode ser constituída através de hipoteca, anticrese e a alienação fiduciária, objeto deste estudo. Caso houver impontualidade do devedor e o credor resolver executar a dívida, o bem gravado poderá ser levado à hasta pública: a praça (bens imóveis) ou a leilão (bens móveis), sendo que o produto da arrematação serve para o pagamento do crédito do credor ou credores. Assim, o titular de garantia real gozará de preferência, quanto ao produto da alienação da coisa, para ser pago com exclusão dos outros credores3. Com efeito, se uma dívida está assegurada por uma garantia real, o credor terá preferência sobre o preço que se apurar na sua venda judicial, devendo ser pago primeiramente, excluindo assim os demais credores, tão-somente referente a esse bem do devedor. Após, satisfeito o crédito do credor, se houver sobras, estas serão rateadas entre os demais credores. O caput do art. 1.422 do Código Civil Brasileiro, Lei. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, dispõe: “O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade do registro”. Isso somente é possível pelo fato de que os direitos reais de garantia aderem de imediato à coisa, valendo contra todos (erga omnes) e acompanhados de seqüela. O credor, para ver satisfeito o seu crédito, poderá buscar nas mãos de quem quer que a detenha, para com isso exercer o seu direito real. No mesmo sentido é o artigo 755 ao estabelecer que “nas dívidas garantidas por penhor, anticrese e hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação”. Via de regra, o direito real de garantia, ainda que regulado por lei, decorre de convenção entre as partes, por ato voluntário. Casos como o penhor e a hipoteca legal são exceções, pois a garantia é instituída pela lei por força de decisão judicial. No que tange ao direito real de garantia sobre coisa móvel, a sua constituição se dá por acordo de vontades convencionado no título causal, que faz surgir o direito, numa relação obrigacional. Para gerar efeitos erga omnes deverá ser registrado no Ofício de Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, não tendo o referido registro finalidade constitutiva, tendo em vista que o negócio jurídico já está perfeito, sendo que a sua falta gera determinadas conseqüências que não interferem no ato jurídico, conforme dispõe os art. 127 e 129 da Lei de Registros Públicos. Importante ressaltar, porém, que os penhores constituídos por cédulas de créditos possuem legislação especial, devendo o seu registro ser efetuado no Ofício de Registro de Imóveis. De outra banda, para se obter a constituição de direito real de garantia sobre bens imóveis deve haver um negócio jurídico causal, que geralmente é o mútuo, onde as partes firmam um acordo de vontades, que pode se dar através de instrumento público ou particular, nos casos em que a lei permitir. Sua constituição se dá através do registro no Ofício de Registro de Imóveis do lugar onde se localiza o imóvel. Antes disso, apenas há acordo ou promessa de acordo, valendo o referido título tão-somente no campo do direito obrigacional. Neste sentido, sintetiza Maria Helena Diniz4: A publicidade do contrato é dada pelo registro e pela tradição se se tratar de bem móvel. Todos os requisitos (...) deverão figurar na inscrição do ônus real na circunscrição imobiliária competente (Lei.6.015/73, arts. 238 e 241). De modo que a hipoteca e a anticrese só se constituem por meio deste registro imobiliário (CC, art.1227). O penhor, embora constituído por instrumento particular, só se aperfeiçoará se houver tradição, mas somente terá eficácia perante terceiros com registro do contrato no Registro Público, ou seja, de Títulos e Documentos (CC, 221). Reconhecida importância dos direitos reais de garantia para a estabilidade dos negócios, volve-se, por ora, para o estudo da temática proposta, ou seja, a alienação fiduciária em garantia de bens imóveis. 2. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE BEM IMÓVEL A Lei 9.514/97, ao definir a alienação fiduciária de coisa imóvel espelhou-se na definição contida no Decreto-Lei nº 911/69, que trata dos bens móveis. O contrato de alienação fiduciária é um negócio jurídico diferente da propriedade fiduciária. Situa-se apenas no campo obrigacional, tendo como principal obrigação a transferência da propriedade, de modo resolúvel. No momento em que ocorre a referida transferência, mediante o registro do contrato de alienação fiduciária no Ofício de Registro de Imóveis competente, surge a propriedade fiduciária em favor do credor-fiduciário5. Efetivamente, é requisito essencial para a constituição da propriedade fiduciária o registro do contrato de alienação fiduciária no Ofício de Registro de Imóveis, dado que nosso sistema de transmissão imobiliária adota o registro como modo de aquisição da propriedade. Neste ínterim, a alienação fiduciária em garantia é um negócio jurídico pelo qual uma das partes adquire a propriedade de um bem, obrigando-se a devolvê-la tão logo venha a ocorrer o acontecimento a que se subordina tal obrigação, ou tenha solicitado a restituição. Tal negócio jurídico nos dá a noção de confiança que vem desde o direito romano, acompanhada da boa-fé das partes contratantes sem, contudo, olvidar que uma vez inserido no ordenamento jurídico passou a ser um negócio estritamente civil. Da mesma forma •••
Carlos Alberto Tworkowski (*)