Aguarde, carregando...

BDI Nº.36 / 2006 - Assuntos Cartorários Voltar

A OUTORGA DA PROPRIEDADE AOS PARTICULARES OCUPANTES DE TERRAS DEVOLUTAS

INTRODUÇÃO Para alcançar a organização política da Nação, o Estado, dotado de poderes soberanos, subordina a utilização de determinados bens a um regime jurídico adequado ao interesse coletivo. A adoção de normas de Direito Público, em alguns casos, o uso subsidiário de regras jurídicas que regem as relações privadas, permitem, além de especificar a composição e utilização dos bens públicos, a proteção contra atos ilegítimos ou danosos, quer provindos dos particulares, quer do próprio Estado. É neste contexto, que a discussão acerca da possibilidade das terras devolutas, que embora sem inscrição na tábua registral, possam ser objeto de propriedade outorgada pelo Poder Público em benefício dos posseiros, revela-se por deveras relevante, pois implica na disponibilidade do bem pelo particular e na concretização de princípios norteadores dispostos na Lei Maior. Enfim, impende registrar que, para o alcance do objetivo proposto, será empregado o método herme-nêutico crítico reflexivo e a preocupação técnica terá como instrumental a pesquisa eminentemente bibliográfica e jurisprudencial. 1. A DEFINIÇÃO DE BENS PÚBLICOS E SUA CLASSIFICAÇÃO Antes de adentrar no conceito de bens públicos, faz-se necessário trazer a baila algumas considerações sobre a expressão “domínio público”. Em sentido amplo, o domínio público consiste no poder que o Estado exerce sobre bens próprios e alheios, delimitando sua destinação. Assim, este instituto abrange não só os bens das pessoas jurídicas de direito público interno como as demais coisas que, por sua utilidade pública, merecem proteção do Poder Público. Neste sentido, por vez o domínio público traduz a supremacia do Estado sobre todas as coisas de interesse público, abrangendo não só os bens públicos como também os particulares e as coisas inapropriáveis. Consiste numa das manifestações da Soberania do Estado, culminado no denominado domínio eminente. Contudo, o domínio público pode se manifestar como direito de propriedade, incidindo somente sobre bens pertencentes a entidades públicas, sob a forma de domínio patrimonial. Ressalte, no entanto, que o direito de propriedade exercido pelo Poder Público diverge daquele disposto no regime jurídico civil, pois se sujeita às normas de direito administrativo. Por conseguinte, a estas normas de Direito Público, embora supletivamente se lhes apliquem algumas regras de direito privado, subordinam-se os bens públicos, por assim dizer, aquelas coisas que corpóreas ou incorpóreas pertençam, a qualquer título, às entidades estatais, autárquicas, fundacionais e empresas governamentais¹. Não obstante, os bens públicos sujeitam-se a normas diferenciadas de acordo com sua destinação, dos quais podemos dispor de três categorias: I - os de uso comum do povo; II – os de uso especial; III – os dominiais. Os primeiros destinam-se à coletividade indistintamente², sem qualquer limitação individual, mas sob a administração e vigilância do Poder Público, que tem o dever de mantê-los em normais condições de utilização. É o caso das ruas, praças, estradas, rios, mares, etc. Já os bens de uso especial constituem aqueles destinados a execução dos serviços públicos, tais como as repartições públicas, os veículos da Administração, os mercados, etc. São também chamados de bens patrimoniais indisponíveis. No tocante aos bens dominicais ou do patrimônio disponível são os bens que, embora integrem o domínio público, não possuem qualquer destinação pública, podendo o Estado dar-lhes o fim que desejar a administração, inclusive, aliená-los, pois sobre estes bens o Estado exerce o poder de proprietário. Nesta categoria, dos bens públicos dominicais, segundo Celso Ribeiro de Bastos³, Hely Lopes Meirelles4 e Celso Antonio Bandeira de Mello5, encontra-se as terras devolutas, que serão tratadas pormenorizadamente a seguir. 2. TERRAS DEVOLUTAS O estudo sobre as terras devolutas no Brasil exige uma rápida incursão histórica, que tem origem nos antecedentes portugueses até chegar em nossas Cartas Republicanas e demais legislações extravagantes. 2.1. Aspectos históricos Com a descoberta do País, todo o território passou ao domínio da Coroa Portuguesa6, ao patrimônio público de Portugal. A partir daí, o Rei, como Chefe da Coroa, passou a conceder porções de terras sob o regime das capitanias hereditárias, não se tratavam de negócios translativos, os donatários recebiam apenas poderes políticos, para exercê-los, em nome da Coroa, em circunscrição delimitada na carta. Os donatários tinham a obrigação de medi-la, demarcá-las e cultivá-las, sob pena de comisso, ou seja, de reversão das terras à Coroa, caso fossem descumpridas as obrigações. Este regime contribuiu para a formação de latifúndios, devido a grande extensão do território e a pequena quantidade de ocupantes, levando, mais tarde, a edição, pela Coroa Portuguesa, de normas visando reduzir o limite máximo de léguas para as áreas de sesmarias. Em 1822, com a Resolução n°17 do Príncipe Regente D. Pedro, ficou suspensa a concessão de sesmarias, assim, generalizando-se o sistema de aquisição da propriedade pela ocupação pura e simples da terra, até a vigência da Lei. 601 de 18 de setembro de 1850. Segundo CUNHA JUNIOR7 os pontos básicos da Lei. 601 foram: a proibição de doações de terras devolutas, exceto as situadas nas zonas de dez léguas limítrofes com países estrangeiros; a conceituação de terras devolutas, conceito este que até hoje serve de base para as legislações estaduais; a revalidação das sesmarias ou outras concessões do Governo Geral ou Provincial, que se achassem cultivadas ou com princípios de cultura e morada habitual do sesmeiro ou concessionário ou algum representante; a legitimação das posses mansas e pacíficas, adquiridas por ocupação primária, ou havidas do primeiro ocupante, que se achassem cultivadas ou com princípio de cultura, e morada habitual do posseiro ou representante; o usucapião nas sesmarias ou outras concessões do Governo; a discriminação das terras devolutas; a reserva de terras devolutas; o registro paroquial; as formas de venda de terras devolutas, etc.. Assim, a Lei. 601, regulamentada pelo Dec. 1.318 de 30 de janeiro de 1854, constituiu num marco para conceituação de terras devolutas. 2.2. Conceito Anteriormente à citada lei, a expressão terras devolutas traduzia terras vazias, vagas, não ocupadas, consideradas públicas por este fato. Mas o art. 3° e 8° da Lei. 601 expandiu sua conceituação, a saber: Art.3°- § 1° - as que não se acharem aplicadas a algum uso público nacional, provincial ou municipal; § 2° - as que não se acharem no domínio particular por qualquer título legítimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em comisso por falta do cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura; § 3° - as que não se acham dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apesar de incursas em comisso, forem revalidadas por esta Lei; § 4° - as que não se acharem ocupadas por posses, que, apesar de não se fundarem em título legal, forem legitimadas por esta Lei. Art.8° - Os possuidores que deixarem de proceder à medição nos prazos marcados serão reputados caídos em comisso, e perderão por isso o direito que tenham a serem preenchidos das terras concedidas por seus títulos, ou por favor da presente lei, conservando-o somente para serem mantidos na posse do terreno que ocuparem com efetiva cultura, havendo-se por devoluto o que se achar inculto. Embora muito tenha contribuído para elucidações a respeito da expressão “terras devolutas”, não é suficiente para definir o tema frente ao posicionamento de diversos doutrina-dores que buscaram conceituá-las. Para BASTOS8: Terras devolutas são todas aquelas •••

Rosimara Beatriz dos Santos de Barros (*)