JUROS NOS CONTRATOS IMOBILIÁRIOS
O sistema lógico-legal do novo Código Civil sobre juros legais moratórios e convencionais remuneratórios O novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-01-2.002) disciplina, basicamente, os juros legais moratórios e os juros remuneratórios, respectivamente, em seus Artigos 406 e 591. No que respeita aos juros legais moratórios, em norma de natureza supletiva (Art. 406), estabelece que: (a) na ausência de convenção; (b) quando existente a convenção, não for estipulada a taxa ou (c) quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados segundo as taxas que estiverem em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. A respeito destas taxas, embora as praticadas, no caso de mora no pagamento de tributos à Fazenda Nacional, sejam as estabelecidas pelo Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia), os Tribunais, notadamente o Superior Tribunal de Justiça, na esteira do Enunciado nº 20 (aprovado na Jornada de Direito Civil, promovida em setembro de 2.002 pelo Conselho da Justiça Federal), têm afirmado, em reiterados julgados, que a taxa é a prevista no Art. 161 § 1º do Código Tributário Nacional, vale dizer, a taxa de 1% (um por cento) ao mês. No que respeita, entretanto, aos juros convencionais moratórios, a dicção legal e a interpretação lógica do Art. 406 levam à conclusão de que os contratantes poderão, segundo a autonomia da vontade e a liberdade de contratar, estipular, livremente, a taxa de juros moratórios, a incidir nos negócios jurídicos, uma vez que a referida taxa moratória legal de 1% (um por cento) ao mês somente se aplica, supletivamente, caso e se os contratantes não tenham estipulado taxa diversa, maior ou menor do que a taxa legal. Não fosse esta a inteligência e a mens legis do Art. 406, não teria qualquer sentido a dicção legal de que somente incidiriam, supletivamente, os juros legais moratórios de 1% (um por cento) ao mês, “...quando não forem convencionados...”, sendo regra básica de interpretação que a lei não contém expressões inúteis. Por outro lado, constituiria um contra-senso afirmar-se que os juros moratórios convencionais não poderiam ser livremente pactuados, estando limitados ao teto da taxa legal de 1% (um por cento) ao mês, quando a lei estabelece, com clareza meridiana, que esta taxa limite somente se aplica, supletivamente, em caso de juros legais, ou seja, quando os juros moratórios não forem convencionados. Confirmando esta exegese do Artigo 406 da lei civil, estabelece o Artigo 1331 § 1º da mesma lei, nas disposições gerais referentes ao Condomínio Edilício, que “O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.” Vale dizer, estabelece a lei, neste dispositivo, expressamente, ratificando a liberdade de contratar, em matéria de juros convencionais moratórios, estabelecida pelo Artigo 406, em foco, a estipulação convencional de juros moratórios superiores a 1% (um por cento) ao mês. No que tange aos juros remuneratórios, a lei civil somente a eles se referiu em seu Artigo 591, ao estatuir sobre o mútuo oneroso, estabelecendo que os juros remuneratórios, neste negócio jurídico, não pode exceder a taxa prevista no aludido Artigo 406, vale dizer, a referida taxa de 1% (um por cento) ao mês, somente permitida a capitalização anual. Certamente – excluído o mútuo oneroso – a nova lei civil liberou a taxa de juros remuneratórios, assim como a periodicidade de sua capitalização, no que respeita às outras modalidades de contrato, uma vez que sobre o referido tema não existe qualquer imposição ou restrição legal, deixando a lei civil, dispositivamente, à autonomia da vontade dos contratantes e à liberdade de contratar a estipulação dos juros remuneratórios, que poderão, assim, desde que convencionados, superar o percentual de 1% (um por cento) ao mês, permitida a capitalização, na periodicidade que for contratualmente ajustada. Não fosse este o alcance e a extensão do sistema lógico do novo Código Civil, em matéria de juros remuneratórios, vale dizer, não fosse admitida a livre pactuação da taxa de juros remuneratórios, assim como a periodicidade de capitalização, em todas as demais modalidades de contrato, não teria a lei civil estabelecido as referidas disposições apenas para o contrato de mútuo oneroso. Fosse a intenção do legislador da nova lei civil estabelecer para todas as modalidades de contrato as restrições existentes, nos termos da lei, somente para o contrato de mútuo, tê-lo-ia feito expressamente, generalizando as referidas restrições para todo e qualquer negócio jurídico, retirando, desta forma, do universo da autonomia da vontade dos contratantes a possibilidade de ajustar taxa superior a de 1% (um por cento) ao mês. Por outro lado, se, como visto, permite a lei, desde que convencio-nado, a estipulação, supletivamente, de juros moratórios superiores à taxa legal de 1% (um por cento) ao mês (ainda que se trate de contrato de mútuo oneroso), não tem sentido ou coerência, sob qualquer prisma, vedar-se a pactuação de taxa superior a este percentual, na hipótese de juros convencionais remuneratórios. A revogação do Decreto nº 22.626, de 07-04-1933, por incompatibilidade entre suas disposições e as do novo Código Civil Fixadas estas premissas, cumpre verificar se o sistema legal do novo Código Civil, em sede de juros moratórios e de juros remuneratórios, inovou a ordem jurídica, revogando, por incompatibilidade (Artigo 2º § 1º da Lei de Introdução ao Código Civil), o vetusto Decreto nº 22.626, de 07-04-1933, que dispõe sobre os juros nos contratos e dá outras providências, denominada “Lei de Usura”. Este questionamento é tormentoso, não apenas porque é naturalmente complexo e difícil tudo o que envolva conflito de leis no tempo, mas, também, porque se encontram cristalizadas na cultura jurídica do país, em decorrência de sua vigência por mais de 72 (setenta e dois) anos, as normas restritivas e imperativas do Decreto nº22.626/33, com a formação, a respeito, de larga doutrina e jurisprudência. A respeito, não nos socorrem os mestres. As obras existentes sobre o novo Código Civil, talvez pela cautela de •••
Luiz Antônio Campos Mello (*)