ATO JURÍDICO LÍCITO X NEGÓCIO JURÍDICO. DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS
Dispõe o artigo 185 do Novo Código Civil, que “Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior”. O conceito de ato jurídico é estrito, vem de agir, de ação humana, tendo sempre um autor, pois não decorre de acontecimento natural, já que é praticado por um agente. Segundo o contido no art. 104, do Código Civil Brasileiro, o ato jurídico deve ser lícito, isto é, em conformidade com a ordem jurídica. O nascimento de uma pessoa não pode ser confundido com ato jurídico, eis que ausente a manifestação de vontade, embora a partir de tal fato nasça direitos e obrigações. A validade de qualquer ato jurídico está condicionada à capacidade do agente, existência de um objeto lícito e possível, e ainda forma prescrita ou não defesa em lei. (arts. 104 CC). Se o negócio jurídico deve ser compreendido como uma espécie do ato jurídico, como nos ensina CAIO MÁRIO¹, e uma vez adotada a tese do artigo 185 do NCC de que existem atos jurídicos lícitos que não são negócios jurídicos, a melhor forma de se separar o ato jurídico lícito do negócio jurídico (se possível) será exemplificando e comentando atos jurídicos lícitos unilaterais. Os planos econômicos Cruzado, Bresser e Collor, são considerados atos jurídicos lícitos. No entanto, não podem ser considerados negócios jurídicos, eis que falta a bilateralidade. Ocorreu a manifestação de vontade de apenas uma parte. Neles, os governantes, usando do poder de que dispunham, impuseram à sociedade um conjunto de novas regras, seja por meio de decretos, portarias, etc., as quais tiveram aplicação imediata em toda a sociedade, sem que a mesma tivesse manifestado sua vontade. Ao ser questionada a legalidade da tablita de conversão da moeda, instituída pelo plano Collor II, o plenário do STF entendeu que o fator de deflação veio a preservar o equilíbrio econômico-financeiro inicial dos contratos, diante da súbita interrupção do processo inflacionário. A manutenção dos contratos então vigentes, que traziam embutida a tendência inflacionária, importaria em ganhos irreais, desiguais e incompatíveis com o pacto firmado entre as partes antes da alteração radical do ambiente monetário e econômico. Pelo mesmo motivo se confirmou a tese de que normas de ordem pública que instituem novo padrão monetário têm aplicação imediata em relação aos contratos em curso como forma de reequilibrar a relação jurídica antes estabelecida. A relação jurídica já mencionada é um autêntico negócio jurídico, a qual veio a ser modificada por um ato jurídico lícito emanado do Governo Federal, obrigando toda a sociedade. Assim, o artigo 185 do NCC está em consonância com a Constituição Federal, na parte que concede poderes ao Governo Federal para editar medidas provisórias, as quais, repita-se, não são negócios jurídicos. Trata-se de um verdadeiro ato jurídico lícito interferindo em negócios jurídicos firmados por toda a sociedade. Poderia haver negócio jurídico onde só figure uma pessoa? Entendemos que não, pois não se admite que alguém venha a contratar consigo mesmo. Para ser considerado negócio jurídico é imprescindível a declaração ou manifestação de vontade de pelo menos duas pessoas, negociando entre si um bem ou direito, ou expressando vontade conjunta determinada a alcançar algum objetivo. Popularizando, se duas pessoas se comprometem a uma pescaria anual, tem-se que foi praticado um ato jurídico lícito, embora tal compromisso não possa ser considerado como negócio jurídico, a menos que as partes estabeleçam alguma sanção para o inadimplemento do compromisso assumido por alguma delas. No entanto, quando uma pessoa manifesta sua vontade de forma unilateral, temos um genuíno ato jurídico lícito, desde que observadas as normas do artigo 104 do NCC, que condiciona a validade do ato jurídico à capacidade do agente, licitude do objeto e forma prescrita ou não defesa em lei. Ousamos divergir do Professor João Teodoro da SILVA², ao citar J. M. CARVALHO SANTOS para afirmar: “A emancipação por outorga de titulares do poder familiar é negócio jurídico, só formalizável mediante escritura pública de efeito inter vivos, o que significa a impossibilidade de concedê-la por testamento público, embora configure este a escritura pública por excelência. Isso faz sentido, porque o testamento é negócio jurídico unipessoal com eficácia apenas depois da morte, quando o poder familiar do testador está extinto e a faculdade de emancipar está assegurada com exclusividade ao titular sobrevivo desse poder”. Entendemos não se tratar de negócio jurídico, eis que a lei não obriga a aceitação do emancipando para a concretização do ato, embora haja pensamento doutrinário divergente. A advogada mineira Raquel Duarte GARCIA³, entende que a emancipação somente é possível quando houver aceitação expressa por parte do emancipando, com o que não concordamos, pois onde a lei não obriga não cabe ao intérprete obrigar. Embora não comente o ato de emancipar sob a ótica de tratar-se de ato jurídico lícito ou negócio jurídico, de sua obra é possível extrair a idéia de que seria negócio jurídico, in verbis: “Igualmente equivocado é, sobretudo após a vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, achar que o consentimento do menor não é necessário para o ato emanci-patório.” O professor e tabelião de notas João Teodoro da Silva (2007) ensina que a formalização da emancipação é feita mediante escritura pública “que contenha a outorga de quem estiver na titularidade do poder familiar e consigne a aceitação do beneficiário”. Esse mesmo autor entende que a outorga do emancipante acompanhada da aceitação do emancipado, dá à emancipação uma feição de “contrato de direito de família, embora a doutrina e a jurisprudência admitam o ato, sem maiores questionamentos, como declaração unilateral de vontade de quem emancipa.” (destacamos). O entendimento de que o emancipado deve expressar aceitação está de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual já prevê, em diversos dispositivos, a •••
Carlos Antonio de Araújo (*)