O REGISTRO IMOBILIÁRIO E A DECLARAÇÃO DE LIMA
(Registro imobiliário de instrumentos particulares – Reconhecimento de firmas) 1. INTRODUÇÃO: Nos dias 22 a 24 de maio de 2.007, teve lugar o Congresso Internacional de Direito Registral, realizado em Lima, Peru, organizado pela Superintendência Nacional dos Registros Públicos do Peru - SUNARP, Colégio de Registradores da Espanha e Universidade de Lima, com representantes da Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, Espanha, Estados Unidos da América, El Salvador, Honduras, México, Paraguai, República do Peru e Venezuela. Nesse evento foi expedida a Declaração de Lima, composta de conclusões sobre as tendências e características dos modernos sistemas registrais, sobre os modelos de gestão e organização dos sistemas registrais, e sobre os sistemas de garantias hipotecárias e mobiliárias. Uma das conclusões foi de que “Um sistema registral moderno, eficaz, ágil e flexível, deve contar com um requisito básico consistente na utilização do documento público como continente dos atos destinados a serem inscritos no Registro, de forma que a ele acedam somente títulos notariais, judiciais e administrativos em virtude da fé pública que deles dimana. A autenticidade dos documentos públicos coadjuva a segurança jurídica dos Registros”.¹ O ordenamento jurídico brasileiro prevê, em diversos dispositivos, a possibilidade de acesso ao registro imobiliário de instrumentos particulares relativos à constituição e transferência de direitos reais sobre imóveis. Este trabalho tem por objetivo comentar a Declaração de Lima em confronto com o ordenamento jurídico brasileiro. Neste trabalho serão analisadas as peculiaridades do sistema registral brasileiro quanto ao registro do documento particular, os efeitos da admissibilidade ou não do registro de tais documentos, com comentários, inclusive, dos casos concretos recebidos pelas Cortes Superiores. 2. O REGISTRO DE IMÓVEIS NO SISTEMA REGISTRAL BRASILEIRO A Declaração de Lima tem como pressuposto a segurança jurídica dos negócios imobiliários, e pugna pela utilização do instrumento público como forma de se constituir e transferir direitos reais sobre imóveis, repudiando o instrumento particular. No entanto, o sistema registral brasileiro admite a constituição de direitos reais por meio de instrumento particular, como acontece com as promessas de compra e venda de bens imóveis. Como afirma a Declaração de Lima, “o Registrador constitui o recurso humano fundamental e o principal suporte do sistema registral, devendo ser um profissional do direito, dado que a avaliação que deve realizar para decidir o acesso do direito ao Registro é um trabalho eminentemente jurídico”. “O Registrador realiza sua função com independência e imparcialidade. O exercício da atividade de qualificação é realizado levando-se em conta, como único parâmetro, o ordenamento legal vigente. A imparcialidade deve ser entendida como a não-sujeição ou vinculação aos interesses das partes e a independência como a não-sujeição a ditames de superior hierárquico ou qualquer terceiro que afete a livre decisão no âmbito da qualificação, sem prejuízo das reformas derivadas de procedimentos de recurso. O ordenamento jurídico deve garantir a imparcialidade do Registrador, impedindo as situações de conflito de interesses. O sistema deve garantir a transparência da atuação do Registrador”. Sendo um profissional do direito, encontra-se o registrador apto a realizar a qualificação registral dos títulos apresentados para registro, sejam eles por instrumento público ou por instrumento particular. Quando o notário lavra uma escritura pública de compra e venda de bem imóvel, o ato é precedido de uma “qualificação negocial”, ou seja, se o vendedor é aquele que consta da certidão do registro de imóveis, se as partes são capazes, etc. Esta “qualificação negocial” realizada pelo notário não é definitiva, pois quando a escritura pública for apresentada para registro perante o registro de imóveis, o registrador de imóveis fará a qualificação registral do título, verificando os princípios do registro imobiliário, relativos à disponibilidade, continuidade do registro público, etc. Se no ato de se lavrar a escritura pública de compra e venda, for violado qualquer dos princípios dos registros públicos, o Oficial do registro de imóveis fará uma qualificação registral negativa, o que garantirá a segurança e a eficácia previstas no artigo 1º da lei 8.935/94. Lei 8.935/94 Art. 1º. Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Pelo mesmo fundamento, entendemos que se for particular o título a ser registrado, deverá o Oficial do registro de imóveis realizar qualificação registral idêntica à da escritura pública, não importando ao mesmo a origem do título, ressalvado que se se tratar de compra e venda de imóveis com valor superior a trinta salários mínimos, deverá obstar o registro, pois de acordo com o artigo 108 do Novo Código Civil Brasileiro - NCC, tal ato obrigatoriamente deverá ser celebrado por escritura pública. NCC Art. 108 Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. A regra do artigo 108 acima transcrito é excepcionada pelo Código Civil, bem como pela legislação extravagante, pois para se instituir uma hipoteca não há a exigência de que se faça por instrumento público. O mesmo se aplica quanto à instituição do penhor e do direito do promitente comprador de imóvel. Entendemos que a obrigatorie-dade de se exigir instrumento público para todas as modalidades de constituição e transferência de direitos reais sobre imóveis fere o direito de livremente contratar, como também fere a lei 8.935/94, a qual reconhece nos notários e registradores a aptidão e a capacidade para conferirem publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos submetidos à apreciação dos mesmos. Caso o Brasil adotasse a posição da Declaração de Lima, no sentido de somente registrar documentos públicos, estar-se-ia transferindo aos notários a responsabilidade pela elaboração de todo e qualquer contrato que deva ser levado a registro, o que fere o bom senso, pois os advogados, profissionais do direito que são, a princípio estão aptos a redigir todo e qualquer documento que deva ser levado a registro. Na mesma linha de pensamento, nenhuma instituição financeira poderia exigir garantias reais por meio de instrumento particular (hipoteca e penhor), sendo transferida ao notário a responsabilidade pela elaboração das escrituras públicas de hipoteca e penhor. Nenhuma promessa •••
Carlos Antônio de Araújo (*)