DUPLA ALIENAÇÃO DO MESMO IMÓVEL UMA LACUNA EXISTENTE
A escritura pública é um ato notarial que faz prova plena do negócio realizado entre os contratantes - direito pessoal (obrigacional). Esse ato notarial recepciona a vontade e consequente declaração das partes (vendedor e comprador) que pactuam sobre determinado bem, em princípio agindo de boa-fé – causa primária que rege as relações contratuais. É no pensamento da segurança jurídica do negócio e de confiança no vendedor que as pessoas se enganam. Às vezes - a exceção atinge a regra - surge então a figura do vendedor de má-fé, por meio de venda aparentemente lícita, ardilosamente ludibria dois ou mais compradores com a venda do mesmo bem; daí surge a chamada dupla alienação. Nas palavras de Antônio Manuel Hespanha1, os crimes de falso tipificavam, desde a época romana, os atentados à verdade das coisas: “a falsidade é o delito público que se comete quando alguém ciente e dolosamente muda a substância da verdade em prejuízo de outrem”. Nessa época a dupla venda já era protegida, em outras palavras, evitada, como se verifica abaixo: (...) um outro domínio da verdade garantida é o da verdade das coisas, ou melhor, de certas coisas estratégicas no seio das relações sociais e econômicas: a moeda (Ord.fil., v. 12), os metais e pedras preciosas (Ord. fil., v. 56), os gêneros alimentícios (Ord. fil., v. 57 e 59), as medidas (Ord. fil., v. 58) e a terra (Ord. fil., v. 67). Protegida, também, a verdade dos negócios (Ord. fil., v. 65: dupla venda da mesma coisa; Ord.fil., v. 68: falência fraudulenta) (...). (grifo nosso). O Código Civil Brasileiro nada diz a respeito, porém o sistema não é totalmente falho e a pena para quem infringe o sistema está prevista no artigo 171 do Código Penal Brasileiro. Nesse breve trabalho, temos a missão de abordar a hipótese em que ocorre a dupla alienação de um mesmo imóvel, sendo este um dos muitos casos onde o cidadão pode perder a propriedade de seu imóvel em razão de diversos fatores, incluindo a ausência de escritura pública ou do registro. A dupla alienação ocorre quando o atual proprietário vende simultaneamente o único imóvel para pessoas distintas, e em decorrência dessa ilegalidade, tornar-se-á proprietário daquele imóvel aquele que primeiro registrar a escritura pública de compra e venda. Isso acontece porque é vedado o acesso ao fólio real de título prenotado em segundo lugar, em razão do primeiro registro indisponibilizar o imóvel, isto é, a escritura é registrada mesmo que lavrada posteriormente e, a primeira será recusada, pois o imóvel não mais se encontra na titularidade do alienante. Cumpre-nos destacar a figura do terceiro registral, nas palavras de Quirino Soares2, Juiz-conselheiro jubilado do STJ e Professor da Faculdade de Direito de Coimbra, assevera que: “Terceiro não é qualquer estranho ao ato ou negócio jurídico. Para o conceito ter utilidade, tem de haver um nexo, de natureza jurídica, entre o estranho e o ato ou negócio que justifique a extensão ou a inoponibilidade dos seus efeitos ao estranho, ou a possibilidade de intervenção nele desse mesmo estranho. A declaração de nulidade do registro não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registro dos correspondentes fatos for anterior ao registro da ação de nulidade”. E exemplifica: Dupla alienação sem registro Vende Maria João •••
Felipe Leonardo Rodrigues (*)