COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – DISTRATO – FRAUDE DE EXECUÇÃO CARACTERIZADA
Recurso Especial nº 667.242 - PR (2004⁄0124666-0) Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito Recorrente: Construtora Garsa Ltda Recorrido: Plátano Engenharia e Representação Comercial de Materiais para Rodovias Ltda. EMENTA Compromisso de compra e venda. Distrato. Fraude de execução. Precedente da Corte. 1. O compromisso de compra e venda, embora assinado em caráter irrevogável e irretratável, não tem o condão de transferir o domínio. Com isso, posterior distrato, ainda que em período suspeito, impede que a execução seja processada com base no imóvel a que se refere o negócio. 2. Recurso especial conhecido e provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ari Pargendler, por maioria, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros e Ari Pargendler votaram com o Sr. Ministro Relator. Votaram vencidos, integralmente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi e, parcialmente, o Sr. Ministro Ari Pargendler. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Castro Filho. Brasília (DF), 23 de agosto de 2007. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Relator RELATÓRIO Construtora Garsa Ltda. interpõe recurso especial, com fundamento na alínea \"a\" do permissivo constitucional, contra acórdão da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, assim ementado: \"APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS DE TERCEIRO - COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - PENHORA - REIVINDICAÇÃO DO PROMITENTE VENDEDOR QUE ALEGA INADIMPLEMENTO DA PARTE EXECUTADA - REALIZAÇÃO DE DISTRATO - INEFICÁCIA - OCORRÊNCIA APROXIMADAMENTE 02 ANOS APÓS A PENHORA - RECONHECIMENTO DE FRAUDE À EXECUÇÃO. SENTENÇA MANTIDA\" (fl. 317). Os embargos de declaração (fls. 325 a 330) foram rejeitados (fls. 337 a 339). Assevera a recorrente, de início, que violado o artigo 535, inciso II, do Código de Processo Civil ao argumento de que o Tribunal de origem não se manifestou acerca das questões suscitadas nos embargos declaratórios. Aduz contrariedade aos artigos 592, inciso V, e 593, inciso II, do Código de Processo Civil e 530, inciso I, 533, 859, 1.092 e 1.093 do Código Civil, pois o julgado recorrido, ao estabelecer a presunção de fraude, olvidou-se que o contrato de promessa de compra e venda firmado entre as partes, mesmo quando irrevogável, irretratável e irrescindível, não está imune à rescisão em virtude de inadimplemento culposo da compromissária compradora. Da mesma forma, a existência de penhora sobre o imóvel não pode inibir o distrato do compromisso firmado porquanto \"não há incompatibilidade legal ou jurídica entre a penhora e a rescisão do vínculo contratual de compromisso de compra e venda em caso de inadimplemento contratual\" (fl. 353). De acordo com a recorrente, os distratos dos compromissos de compra e venda não podem ser automaticamente equiparados à alienação ou à oneração de bens, hipótese em que se caracteriza a fraude à execução. No caso presente, afirma, não ocorreu alienação de bens penhorados, mas mero distrato de compromisso de compra e venda de bem imóvel pela falta de pagamento do preço pactuado, o que autoriza a lei. Além disso, o referido negócio jurídico não acarretou desfalque patrimonial à empresa executada, pois os imóveis penhorados foram e continuam sendo propriedade da empresa recorrente. O distrato em apreço não se enquadra, assim, em qualquer das hipóteses de fraude à execução. Aduz contrariedade, ainda, aos artigos 591, 646 e 1.046, § 1º, do Código de Processo Civil ao argumento de que, conquanto o contrato de promessa de compra e venda outorgue direito real ao promissário comprador, não tem o condão de transferir, desde logo, a propriedade do bem, o que só ocorre após a quitação do contrato e o competente registro no cartório imobiliário. A penhora, por isso, deveria ter recaído sobre os direitos que a empresa executada possuía sobre os imóveis compromissados, e não sobre os imóveis em si, que integram o patrimônio da empresa recorrente. Contra arrazoado (fls. 372 a 386) o recurso não foi admitido (fls. 388⁄390) tendo seguimento por força de agravo de instrumento convertido em recurso especial (fl. 420). É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: A construtora recorrente ajuizou embargos de terceiro alegando que foi surpreendida por notícia de praceamento de seus bens. Sustenta que a executada não é detentora do domínio. A sentença julgou improcedentes os embargos, reconhecendo a fraude de execução e declarando eficaz a penhora. O Tribunal de Alçada do Paraná desproveu a apelação. Aplicou a Súmula nº 84 da Corte asseverando que existe compromisso de compra e venda entre a apelante e a executada, \"configurando direito real de aquisição do imóvel\" (fl. 320). Daí ser possível, segundo o Tribunal local, a penhora do bem objeto do compromisso de compra e venda, \"reconhecendo-se que os efeitos deste contrato obrigam ambas as partes, devendo ser tido o bem como já transferido à esfera patrimonial do promitente comprador e, uma vez não cumprida a avença, a dissolução do negócio deve ocorrer por perdas e danos\" (fl. 322). Assinalou o acórdão que, no caso, o distrato foi feito \"em flagrante atentado à execução proposta, eis que realizado aproximadamente 02 (dois) anos após a constrição judicial\" (fl. 322). Há de ser também reconhecida a ineficácia do negócio no tocante ao credor, presente a fraude de execução. O especial começa pelo art. 535 do Código de Processo Civil. Entretanto, não existe violação. É que o tema pode ser examinado pela Corte considerando que a controvérsia se põe basicamente em saber o efeito do distrato de compromisso de compra e venda a configurar fraude de execução. Aqui, como expõe o especial, o aresto teria considerado que o distrato aperfeiçoado após a efetivação da penhora dos imóveis configura fraude de execução, sem deixar de reconhecer que foram firmados \"em caráter irrevogável, irretratável e irrescindível\" (fl. 352). Sabemos que a nossa jurisprudência considera que a \"transmissão onerosa, após a citação válida, de direitos advindos de compromisso de compra e venda não registrado pode configurar a fraude de execução\" (REsp nº 620.779⁄SP, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJ de 23⁄8⁄04; no mesmo sentido: REsp nº 109.417⁄SP, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 26⁄10⁄98). Aqui a construtora recorrente firmou o compromisso de compra e venda e passou o bem para a executada. Mas, ao argumento de que esta não pagou o preço, fez o distrato. O julgado identificou no distrato fraude de execução, porque realizado dois anos depois da constrição. Ora, nessa circunstância, o compromisso de compra e venda assinado \"em caráter irrevogável, irretratável e irrescindível\' (fl. 352), terá o efeito de passar o bem para o patrimônio da compromissária-compradora? Há antigo precedente da Terceira Turma dizendo que não. Diz o voto condutor que \"não há como reconhecer que o imóvel fora alienado, tendo sido realmente contrariado o disposto nos artigos 531 e 533 do Código Civil. A promessa não constitui, por si, título hábil para transferir a propriedade. O registro faz nascer, é certo, direito real, mas não confere domínio\" (REsp nº 69.314⁄SP, Relator o Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 10⁄6⁄95). Essa a orientação que deve prevalecer. Se não houve a transferência do domínio, que não é alcançado pelo compromisso de compra e venda, o posterior distrato, ainda que em período suspeito, não autoriza o reconhecimento de fraude de execução. Com isso, não tem sentido vedar o efeito do distrato no tocante ao compromissário-vendedor, colocando o bem, que está fora do patrimônio do devedor, no âmbito da execução. Conheço do especial e dou provimento para julgar procedentes os embargos. Custas e honorários de 15% do valor da ação pela parte vencida. Brasília, 07 de dezembro de 2006 VOTO-VISTA A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi: Recurso especial interposto por CONSTRUTORA GARSA LTDA., com fundamento na alínea \"a\" do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJPR. Ação: de embargos de terceiro, opostos pela ora recorrente contra PLÁTANO ENGENHARIA E REPRESENTAÇÃO COMERCIAL DE MATERIAIS PARA RODOVIAS LTDA, ora recorrida, alegando ser legítima proprietária e possuidora a justo título de imóveis penhorados em ação de execução de sentença, movida pela ora recorrida em face de Sociedade Casablanca Ltda. Alegou que os referidos imóveis foram apenas compromissados à venda à executada, mas que houve distrato de tais compromissos de compra e venda, por força de inadimplemento da compromissária compradora e, com isso, os imóveis retornaram à posse da ora recorrente. Assim, na condição de senhora e possuidora a justo título, pleiteou a recorrente a liberação dos imóveis •••
(STJ)