Fiador que subscreve contrato de locação sem se declarar como casado não pode alegar nulidade da fiança pela ausência de outorga da mulher
Recurso Especial nº 1.128.770 - PR (2009⁄0049485-5) Relatora: Ministra Laurita Vaz R. p⁄acórdão: Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ⁄AP) Recorrente: Clayton Ribas Nassar Recorrido: Henrique Ricchetti Junior EMENTA Civil e Processual Civil. Locação. Coisa julgada. Fundamentação. Limites objetivos. Fiador. Ilegitimidade. Nulidade da fiança. Ausência de outorga uxória. Boa fé objetiva. 1. Se o decisum recorrido utiliza motivos de outra demanda transitada em julgado com o fim de declarar a coisa julgada material, sem propositura de ação declaratória incidental (artigos 5º e 325, CPC), esse proceder ofende os limites objetivos da coisa julgada, a teor do art. 469, incisos I, II e III do CPC. 2. O direito obrigacional é pautado por princípios, entre outros, pela boa fé objetiva, razão pela qual o fiador que subscreve contrato de locação sem se declarar como casado não pode, posteriormente, alegar a nulidade da fiança com base na ausência de outorga uxória, sob pena de violação, igualmente, ao princípio do nemo auditur proprium turpitidium allegans. 3. Dispõe o art. 239 do Código Civil de 1916 (atual art. 1650 CC⁄02): \"A anulação dos atos do marido praticados sem outorga da mulher, ou sem suprimento do juiz, só poderá ser demandada por ela, ou seus herdeiros (artigos 178, § 9º, nº I, a e nº II)\", razão pela qual carece de legitimidade processual ativa o varão para argüir a nulidade da fiança sem assinatura da esposa - Precedentes. 4. Recurso especial conhecido e provido para julgar improcedente o pedido dos embargos à execução manejado pelo recorrido ⁄ fiador. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento, por maioria, conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ⁄AP), que lavrará o acórdão. Votaram com o Sr. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ⁄AP) os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi. Vencida a Sra. Ministra Laurita Vaz, que conhecia do recurso e lhe dava provimento em menor extensão. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp. Sustentou oralmente na sessão de 05⁄10⁄2010: Dr. Fernando Torreão de Carvalho (p⁄ Recte) Brasília, 16 de novembro de 2010(Data do Julgamento) Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador Convocado do TJ/AP), Relator RELATÓRIO A Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de recurso especial interposto por Clayton Ribas Nassar, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, cuja ementa restou assim redigida, in verbis: \"APELAÇÃO CÍVEL 1 – MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – SENTENÇA DISSONANTE COM ART. 125, I, DO CPC – ARGÜIÇÃO INCABÍVEL – FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS CORRETA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO. APELAÇÃO CÍVEL 2 – ILEGITIMIDADE DO FIADOR – QUESTÃO DA NULIDADE SOBRE A QUAL PAIRA A COISA JULGADA – SENDO NULA A FIANÇA, NÃO HÁ QUE SE FALAR EM LEGITIMIDADE DO FIADOR – PRESCRIÇÃO AFASTADA – NULIDADE DEVIDAMENTE APRECIADA – DESNECESSÁRIA INTERPOSIÇÃO DE AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL – RECURSO IMPROVIDO – SENTENÇA MANTIDA.\" (fls. 447⁄448) A essa decisão foram opostos embargos de declaração, que restaram rejeitados. Sustenta o Recorrente, nas razões do especial, além de divergência jurisprudencial, ofensa aos arts. 469, incisos I, II e III, e 470 do Código de Processo Civil, aduzindo que \"[...] uma decisão só transita em julgado se constar no dispositivo da sentença ou se as partes requererem, o que não ocorreu. Havia necessidade sim de requerimento da parte em ação declaratória, [...]\" (fl. 497). Alega contrariedade ao art. 178, inciso II, do Código Civil, sob o argumento de que, na hipótese, ocorreu a prescrição porque \"[...], o prazo de quatro anos está elencado em lei estando completamente prescrito o direito do recorrido em anular o contrato, o que deve assim prevalecer.\" (fl. 502) Apresentadas as contrarrazões (fls. 512⁄530) e admitido o recurso na origem (fls. 532⁄535), subiram os autos a esta Corte. É o relatório. VOTO VENCIDO A Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): Inicialmente, constata-se a tempestividade do especial, o cabimento de sua interposição com amparo no permissivo constitucional, o interesse recursal, a legitimidade, o prequestionamento e os pressupostos exigidos nos arts. 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil e 255, §§ 1.º e 2.º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, estando presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso. Trata-se de embargos à execução extrajudicial – contrato de locação – ajuizado pelo ora Recorrido, fiador de avença locatícia, no qual foi alegado que a ação executiva estava baseada em título inexistente, incerto e inexigível porquanto faltava-lhe condição imprescindível, qual seja, a outorga uxória e, nessas condições, o crédito não poderia ser reclamado. Alegou o Embargante, além de outras questões de mérito, que a matéria atinente à nulidade da fiança já fora apreciada e decidida – com trânsito em julgado –, quando do julgamento de ação de indenização por danos materiais e morais outrora ajuizada pelo ora Recorrente. O juiz de primeiro grau, acolhendo a tese acima delineada, deu provimento aos embargos e julgou extinta a execução, com base no art. 618, inciso I, do Código de Processo Civil. O Tribunal a quo, negando provimento à apelação, manteve a sentença. Daí a interposição do presente apelo nobre. Feita essa breve resenha fática, passo ao exame da controvérsia. O acórdão recorrido, na parte que interessa, possui a seguinte fundamentação, in verbis: \"[...] Apelação de Clayton Ribas Nassar a.1) Ilegitimidade do fiador O apelante primeiramente aduz que a questão da legitimidade do fiador não foi apreciada em nenhum momento, mas somente foi analisada a questão da nulidade da fiança, razão pela qual requereu o afastamento da coisa julgada e a declaração da inexistência de infração à segurança jurídica, assim como o pronunciamento judicial sobre a ilegitimidade do fiador. Desarrazoada a alegação da parte apelante. Da análise dos autos, o que se verifica é o acerto da decisão proferida pelo d. Juízo a quo, porquanto efetivamente a questão atinente à nulidade da fiança já foi anteriormente decidida, e sobre ela paira, inclusive, a coisa julgada, não havendo mais o que se discutir a esse respeito. Pois, conforme consta nos autos, o exeqüente (Clayton) ingressou com uma ação de indenização por danos materiais e morais contra o locatário e também contra o fiador sendo que em primeiro grau o MM. Juiz (fls.53) decidiu o mérito da questão com a seguinte fundamentação: em que pese à preliminar deduzida na contestação, a demanda deve ser rechaçada pelo mérito porque o reconhecimento da nulidade da fiança constitui juízo que atua diretamente na órbita da existência do direito material afirmado na inicial. Às fls. 157⁄172 consta cópia da decisão proferida pelo extinto Tribunal de Alçada em que confirmando a sentença de primeiro grau reconheceu a nulidade do contrato de fiança firmado entre as partes, a qual já transitou em julgado e, portanto, fez coisa julgada material e formal, não havendo mais o que se discutir nesse tocante. Veja-se o teor do r. acórdão proferido: \'Primeiro aspecto a ser considerado é o da validade ou não da fiança, pela ausência de outorga uxória. O entendimento prevalente, inclusive no Superior Tribunal de Justiça, é o de que a fiança assim disposta invalida o ato por inteiro, não se podendo limitar o efeito da invalidação apenas à meação da mulher. [...] É, na verdade, a dicção do art. 235, III, do Código Civil à época vigente, afirmando que \'o marido não pode, sem consentimento da mulher, qualquer que seja o regime de bens: ... prestar fiança\'. [...] Correta, assim, a sentença, ao afirmar (f. 148) que \'reconhecida nula a fiança prestada sem o consentimento da mulher, o requerido não está obrigado no contrato de locação a pagar dívidas oriundas de despesas de telefone incorridas ao tempo em que perdurava a ocupação do imóvel locado por parte do locatário\'. Desinfluentes os indícios, de um lado e de outro, de que ora teria havido simulação da garantia, ora o autor estaria ciente de que a esposa do fiador não concordara em apor sua assinatura no contrato. LISMARY CORDEIRO, ainda assim, e mesmo que se alegue interesse na causa, não deixou de prestar o compromisso legal (f. 107), e de afirmar que \'estava presente quando o contrato de locação foi firmado entre as partes; que no momento da celebração do contrato Henrique Richetti declarou que era casado e que não afirmou na ocasião que fosse solteiro; que a esposa de Henrique Richetti estava presente ao ato e não assinou o contrato porque não concordava com a fiança\'. Se assim é, e se inexistiu prova segura em sentido contrário, razão não havia para responsabilizar o fiador igualmente por danos morais. Neste passo vale reiterar, da bem posta sentença, os seguintes pontos, verbis: \'Também não pode ser imputado ao requerido ato ilícito a ensejar indenização por danos morais decorrentes de abalo de crédito motivado pelo registro do nome do autor nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito. Se não havia obrigação de pagar a dívida de que resultou o registro no cadastro de devedores, não pode ser imputado ao requerido a prática de ato que tenha dado causa a prejuízos para o patrimônio do autor. Por outro lado, considerado que o requerido não estava obrigado a responder contratualmente pelo pagamento das faturas de despesas de telefone não se lhe pode atribuir os efeitos do inadimplemento que culminaram com a inscrição do nome do autor no cadastro de inadimplentes. Também do ponto de vista do feixe de obrigações integrantes do contrato de locação não está materializada situação a ensejar indenização por perdas e danos. Sem que configurado ato ilícito não se há falar em indenização por danos morais, seja na forma do disposto no artigo 159 ou na do artigo 1092, todos do Código Civil\" (fls. 148⁄149). Quanto à petição, e cópia da decisão por último ofertadas, não tem o condão, data venia, de levar a diferente conclusão. É que o próprio Juiz, ao rejeitar a exceção, deixou claro existir questão antecedente, a deste processo, que, resolvida em definitivo, prejudicaria a argüição aí feita. Aquele Juízo, aliás, sequer adentrou no mérito da questão, ou seja, se entendia, ou não, válida a fiança, limitando-se a afirmar estarem presentes os requisitos para a execução, sem prejuízo de discussão, a respeito, em Embargos próprios, eis que a matéria demandaria dilação probatória. Ou seja, nenhuma influência direta, ou mesmo incoerência de julgados existe, com o presente decisum, seja porque, em •••
(STJ)