Manutenção de posse – Servidão – Captação de água de propriedade vizinha – Ausência de turbação – Servidão mantida
Apelação Cível n° 1.0116.08.015834-2/001 - Comarca de Campos Gerais - Apelante(s): Oswaldo Sebastião de Souza e outro(a)(s) - Apelado(a)(s): Marcos Alves Soares e outro(a)(s) - Relatora: Exmª. Srª. Desª. Márcia de Paoli Balbino Civil e Processual Civil – Apelação - Ação de manutenção de Posse - Captação de água de propriedade vizinha - Servidão de água - Ausência de turbação - Servidão mantida - Desvio do curso do córrego – Ilegalidade - Manutenção de posse para retorno ao leito natural – Cabimento - Requisitos legais exigidos para a possessória - Presença parcial - Pedido inicial procedente em parte - Recurso conhecido e provido em parte. Para a procedência de ação de manutenção de posse, necessária a prova da posse e da turbação. Comprovado que os réus tinham servidão de uso das águas, não há como reconhecer turbação para fins de manutenção de posse e exclusão da servidão. Demonstrado que a captação das águas implicou em desvio do curso do córrego que abastecia a propriedade dos autores, ato ilícito que ofende a legislação ambiental e que não cria direitos, deve ser deferida a manutenção parcial da posse no que toca ao retorno do córrego ao leito normal - Recurso conhecido e provido em parte. ACÓRDÃO Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Eduardo Mariné da Cunha, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento parcial ao recurso. Belo Horizonte, 04 de novembro de 2010. Desª. Márcia de Paoli Balbino - Relatora VOTO RELATÓRIO: Oswaldo Sebastião de Souza e Maria de Lourdes Figueiredo Souza ajuizaram ação de manutenção de posse contra os sucessores de Manoel Emídio Fernandes, quais sejam, Antônio José da Silva e sua mulher, Neusa da Conceição Fernandes, Tereza Maria de Jesus, Marcos Alves Soares, José Neto Nascimento e Valter da Silva Nascimento. Alegaram que são proprietários de uma gleba rural de pastagem, com área de 14,52 ha, registrada sob o nº 12.800 do Livro 3-K, confrontando com os terrenos de Antônio Figueiredo, Alfredo de Paula Souza, Antônio Augusto de Souza e outros, incluindo-se entre os outros os sucessores de Manoel Emídio Fernandes, os ora réus. Sustentaram que em suas terras há uma nascente d\'água que foi represada, formando um açude, a qual, depois de represada, corre naturalmente em seu leito, sendo aproveitada para uso residencial e hidratação do gado, até atingir as divisas com as terras dos réus e desaguar em um córrego abaixo. Asseveram que deram autorização para os réus captarem a água na nascente que fica na divisa, mediante a colocação de dois tubos. Aduziram que foram denunciados por crime ambiental pelos réus, por poluição da água decorrente de pisoteio de gado na beira da nascente. Afirmaram que foram ao local e constataram que os réus haviam colocado mais 4 tubos de captação de água logo abaixo do local onde foi feita 1ª captação, dentro de seu terreno, ou seja, dentro das terras dos autores, desviando a água para uma piscina e para um tanque de criação de peixes da propriedade do réu Marcos, sem qualquer consentimento, causando seca em parte da propriedade. Afirmaram que os réus não precisam captar águas em terras vizinhas porque aquelas já captadas na divisa são suficientes para abastecer a propriedade deles, não sendo o caso de instituição de servidão. Sustentaram que os réus não têm direito às águas de sua propriedade porque o córrego também banha a propriedade deles, as quais já fora canalizadas por via de 2 tubos. Alegando ato de turbação, embora não conheçam a data correta dela, pediram que os réus fossem condenados a retirar os 4 novos tubos de captação mantidos nas águas que correm nas terras dos autores, fazendo com que as águas voltem a correr no leito natural. Juntaram documentos. Após concluir que a turbação era de mais de ano e dia, o MM. Juiz indeferiu a liminar possessória (f. 53). Os réus contestaram (f. 66/71), pugnando pela improcedência do pedido inicial, ao argumento de que nunca desviaram o leito do córrego e que a captação da água, feita há mais de 50 anos, é realizada nos mesmos locais, como é de conhecimento dos autores. Aduziram que a água captada pelo réu Marcos é retirada na sua própria propriedade. Requereram a concessão da gratuidade judiciária. Os autores apresentaram réplica (f. 83/84), refutando os argumentos de defesa dos réus. Foi produzida prova pericial (f. 96/104) e prova oral, com depoimento de testemunhas e das partes (f. 116/125). O MM. Juiz concedeu a gratuidade judiciária em favor dos réus (f. 115). Na sentença (f. 137/142), o MM. Juiz concluiu que a servidão da água é exercida pelos réus há mais de 50 anos, de forma aparente e inconteste, sendo necessária para o abastecimento pessoal e de animais, razão pela qual julgou improcedente o pedido inicial. Constou do dispositivo (f. 142): \"Diante do exposto, julgo improcedente o pedido inicial de Osvaldo Sebastião de Souza e Maria de Lourdes Figueiredo Souza em face de Antônio José da Silva, Neusa da Conceição Fernandes, Tereza Maria de Jesus, Marcos Alves Soares, José Neto Nascimento e Valter da Silva Nascimento, com resolução de mérito, art. 269, I do CPC. Condeno os requerentes a pagarem as custas do processo e honorários do patrono dos requeridos, que fixo em 10% do valor da causa.\" Os autores apelaram (f. 143/145), pugnando pela reforma da sentença, sob o argumento de que a presente ação não tem a finalidade de extinguir a servidão d\'água, mas de manter a posse das águas indevidamente captadas pelos réus, numa distância de 110 metros da divisa, dentro de suas terras. Alegaram que ficou provada nos autos a existência de duas captações d\'água nas divisas das propriedades, por queda natural, servindo à propriedade dos réus, em volume suficiente às necessidades dos réus, o que demonstra invasão injusta na sua propriedade. Os réus contrarrazaram (f. 147/154), pugnando pelo não provimento do apelo dos autores, frisando que possuem servidão das águas por ele captadas há mais de 50 anos. Pediram a declaração da servidão para registro junto ao Cartório e a condenação dos autores por litigância de má-fé. É o relatório. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE: Conheço do recurso dos autores porque próprio, tempestivo e por ter contado com preparo regular (f. 145-A). Ressalto que os réus, ora apelados, estão sob o pálio da gratuidade judiciária (f. 115). PRELIMINAR: Não foram arguidas preliminares no presente recurso. MÉRITO: Os autores apelaram da sentença pela qual foi julgado improcedente seu pedido de manutenção de posse das águas que correm em suas terras, captadas pelos réus através de 4 tubos, com a finalidade de fazer com que as águas voltem a correr no leito natural do córrego. A tese dos apelantes é a de que não pretendem extinguir a servidão d\'água dos réus, mas apenas de manter a posse das águas captadas numa distância de 110 metros da divisa, em suas terras. Examinando tudo o que dos autos consta, tenho que assiste razão parcial aos apelantes. Vejamos. Para que se tenha direito à manutenção de posse das águas captadas pelos réus, através dos 4 tubos que adentram à propriedade dos autores, inclusive com o retorno do curso do córrego, é necessária a comprovação dos seguintes elementos elencados no art. 927 do CPC e no art. 523 do Código Civil de 1916, que dispõem: \"Da manutenção e da reintegração de posse: (...) Art. 927. Incumbe ao autor provar: I - a sua posse; Il - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.\" \"Art.523. As ações de manutenção e as de esbulho serão sumárias, quando intentadas dentro em ano e dia da turbação ou esbulho; e, passado esse prazo, ordinárias, não perdendo, contudo, o caráter possessório. Parágrafo único. O prazo de ano e dia não corre enquanto o possuidor defende a posse, restabelecendo a situação de fato anterior à turbação, ou ao esbulho.\" Sobre a ação de manutenção de posse leciona Caio Mário da Silva Pereira: \"Manutenção de posse. Eram os interditos retinendae possessionis, com finalidade defensiva típica. O possuidor, sofrendo embaraço no exercício de sua condição, mas sem perdê-la, postula ao juiz que lhe expeça mandado de manutenção, provando a existência da posse, e a moléstia. Não se vai discutir a qualidade do direito do turbador, nem a natureza ou profundidade do dano, porém o fato em si, perturbador da posse. Por isso é que o interdito retinendae, tais sejam, as circunstâncias, pode ser concedido contra o malfeitor, contra o que se supõe fundado em direito, e até mesmo contra o proprietário da coisa. [...] Se a moléstia é recente, e como tal considera-se a de menos de ano e dia, dar-se-á manutenção liminar, após justificação sumária, sem audiência de outra parte. Ressalva-se, contudo, que se a posse data de menos de ano e dia, ninguém será mantido ou reintegrado, senão contra quem não tiver melhor posse. Considera-se no conflito das posses, melhor a que se fundar em justo título, ou, na falta deste, a que contar maior tempo (prior in tempore melior in iure). E, se não for possível apurá-lo, por serem todas duvidosas, o juiz ordenará o sequestro da coisa, até que, em decisão definitiva, fique demonstrado qual a melhor. [...] Datando de mais de ano a moléstia, não tem cabimento a ação sumária, com expedição de mandado in limine litis, porém a ordinária possessória, para a qual o réu é regularmente citado, apresenta provas, decidindo afinal o juiz segundo o alegado e provado pelas partes litigantes. [...] Não tem lugar, porém, a manutenção de posse para defesa de servidões contínuas não aparentes, nem servidões descontínuas, em razão da ausência de sinais visíveis, salvo quando os respectivos títulos provieram do possuidor do prédio serviente, ou daquele de quem este o houve, pois que então se distinguem da mera tolerância.\" (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, 18ª ed., Rio de Janeiro:Forense, 2003, v. IV, p. 65/68) Comentando cada •••
(TJMG)