Direito de ocupação de terreno de marinha lançado no Livro nº 2
Solução de questão prática em matéria de registro de imóveis envolvendo escritura pública de cessão de direitos de ocupação de terreno de marinha apresentada para registro junto ao Registro Geral de Imóveis Aos colegas concurseiros, segue abaixo uma questão que elaborei para vocês e que é digna de ser cobrada em prova discursiva, prática ou mesmo oral em concurso de cartório nos estados do litoral brasileiro: Considere a seguinte hipótese: 4 lotes de terreno de marinha (direito de ocupação). Dos 4 lotes, 3 deles possuem matrícula junto ao Livro n. 2, e um deles não, constando ainda registrado junto ao antigo Livro 4. Os 4 terrenos são contíguos, formando juntos uma área retangular, sobre a qual foi edificado um prédio de 10 andares. Pretende-se a unificação dos 4 lotes, e posteriormente pretende-se proceder o registro do instrumento de instituição e especificação de condomínio nos moldes da Lei 4.591/64, razão pela qual foi postulado o registro da escritura pública de cessão de direitos de ocupação relativamente ao 4º lote, para fins de que este seja matriculado junto ao Livro n. 2. Se você fosse o oficial de registro de imóveis, como resolveria essa questão? Resposta: Prezados, eu vou apresentar aqui a solução que pessoalmente reputo a mais adequada para o caso, o que faço em forma de parecer fundamentado, ainda que redigido um tanto quanto informal aos amigos. Como qualquer opinião, será também esta aqui suscetível de chocar-se com entendimentos em sentido contrário. Pois bem: Todos nós sabemos que a ocupação de terreno de marinha é exercida à título precário, não conferindo direito real ao ocupante. Terreno de marinha é bem que pertence à União e que recebe um tratamento todo diferenciado em legislação esparça. Quando falamos em terrenos de marinha, estamos falando em um instituto antigo, polêmico, criticado e que muitos desejariam que acabasse, mas não vamos aqui adentrar nessa questão. Conforme o Decreto-lei 9.760 de 5-9-1946, os terrenos de marinha são aqueles localizados em uma faixa de terra com 33 metros de largura, contada a partir da linha da preamar média de 1831, adjacente ao mar, rios e lagoas, no continente ou em ilhas, desde que no local se observe o fenômeno das marés, com oscilação de pelo menos cinco centímetros: Art. 2º - São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar médio de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés; b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se façam sentir a influência das marés. Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano. Interessante aqui registrar que a expressão “medidos horizontalmente” visa a evitar que nos locais onde haja aclives ou declives, a faixa dos terrenos de marinha, por efeito trigonométrico, ficasse reduzida a menos de 33 metros, se a medição se efetuasse segundo a inclinação da área. Para a razão de ser não mais ou não menos a largura de 33 metros, não encontrei até o momento explicação na doutrina. Dentre os bens da União é ele o único que, mesmo sendo dominial, encontra impedimento constitucional para sua alienação plena, estando em sua origem ligado à ideia de segurança da costa contra possíveis agressões estrangeiras. O Decreto-lei n. 1.561/77, ao dispor sobre a ocupação dos terrenos da União e ao dar outras providências, foi bastante claro ao informar em seu art. 1º, § 1º, que a inscrição, ressalvados os casos de preferência ao aforamento, terá sempre caráter precário, não gerando para o ocupante quaisquer direitos sobre o terreno ou a indenização por benfeitorias, in verbis: Art. 1º - É vedada a ocupação gratuita de terrenos da União, salvo quando autorizada em lei. Art. 2º - O Serviço do Patrimônio da União promoverá o levantamento dos terrenos ocupados, para efeito de inscrição e cobrança de taxa de ocupação, de acordo com o disposto no Título II, Capítulo VI, do Decreto-lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, com as alterações deste Decreto-lei. § 1º - A inscrição, ressalvados os casos de preferência ao aforamento, terá sempre caráter precário, não gerando, para o ocupante, quaisquer direitos sobre o terreno ou a indenização por benfeitorias realizadas. § 2º - A inscrição será mantida enquanto não contrariar o interesse público, podendo a União proceder ao seu cancelamento em qualquer tempo e reintegrar-se na posse do terreno após o decurso do prazo de 90 (noventa) dias da notificação administrativa que para esse fim expedir, em cada caso. Art. 3º - Nas ocupações que vierem a ocorrer posteriormente à vigência deste Decreto-lei, a taxa de ocupação será cobrada em dobro. Art. 4º - (REVOGADO pela Lei 9.636/98) Art. 5º - Fica revogado o § 3º do artigo 5º da Lei n. 4.947, de 6 abril de 1966, no que se refere aos terrenos de marinha. Art. 6º - O presente Decreto-lei não se aplica aos terrenos rurais de domínio da União, sujeitos a planos de Reforma Agrária, nem altera o regime de ocupação das terras devolutas federais, estabelecidas em lei. Art. 7º - Este Decreto-lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. A Lei Federal n. 9.636, de 15 de maio de 1998, dispõe em seu art. 7º que: Art. 7º - A inscrição de ocupação, a cargo da Secretaria do Patrimônio da União, é ato administrativo precário, resolúvel a qualquer tempo, que pressupõe o efetivo aproveitamento do terreno pelo ocupante, nos termos do regulamento, outorgada pela administração depois de analisada a conveniência e oportunidade, e gera obrigação de pagamento anual da taxa de ocupação. O Fólio Real, como nós sabemos, é destinado ao registro dos direitos reais sobre imóveis, inexistindo previsão para que simples cessão de direito de ocupação seja levada a registro junto ao Registro Geral de Imóveis, não encontrando o direito de ocupação, exercido precariamente, previsão no rol do art. 167 da Lei Federal n. 6.015/73. Sobre o assunto, o professor Walter Ceneviva, em nota ao art. 167 da LRP, em sua conhecida obra “Lei dos Registros Públicos Comentada, 19ª edição, Saraiva, pág. 385”, assim leciona, in verbis: 412. Mera ocupação não dá direito ao registro – A ocupação de um imóvel, não aforado, em faixa de marinha, não gera direito real, sendo insuscetível de registro. Estando, porém, sob o regime de aforamento, o ingresso do respectivo título no registro imobiliário é obrigatório. Decorria antes do art. 116 do Decreto-Lei n. 9.760/46. A Lei n. 9.636/98 dispôs sobre regularização, administração, aforamento e alienação de imóveis do domínio da União e deu outras providências. Seus arts. 6º a 10 tratam do cadastramento das ocupações, incidindo em vedação às previstas no art. 9º e permitindo o cancelamento de inscrições efetuadas (art. 10). Com a edição do Estatuto da Cidade a ocupação de imóvel urbano passou a ser causa de aquisição dominical com o usucapião especial coletivo, conforme se explica no n. 447. No mesmo diapasão é a lição da professora Maria Helena Diniz, em sua obra “Sistemas de Registros de Imóveis, 7ª edição, Saraiva, pág. 267”, quando elenca entre os atos insuscetíveis de registro, tal como a cessão de direitos hereditários, promessa de permuta, opção de compra, e outros, também o direito de ocupação, in verbis: Ocupação de terreno não aforado, em faixa de marinha, que, por não criar direito real, será insuscetível de registro (RT, 499:116), mas, se estiver sob o regime de aforamento, deverá ser registrada. O problema surge quando ao assumir uma serventia, o oficial de registro de imóveis verifica que nela existem registros de direito de ocupação junto ao Livro n. 2 relativamente a alguns imóveis de marinha e a outros não. Em minha cidade, a gloriosa Guarapari no Espírito Santo, isso não é difícil de acontecer, e é fruto de um crescimento urbano desordenado e de irregularidades registrais cometidas no passado. No caso submetido a estudo, temos 4 terrenos de marinha, dos quais 3 deles foram transportados de modo irregular do antigo Livro 4 para o atual Livro 2. O interessado pretende abrir matrícula para o 4º terreno, unifcá-los e regularizar uma edificação de 10 andares sobre ele construída, seguindo todo o trâmite de averbação da obra, registro do instrumento de instituição e especificação de condomínio, registro da convenção de condomínio, abertura de matrículas para as unidades autônomas e assim por diante. Imagine que você acabou de assumir o cartório, e que o 4º contrato de cessão, relativo àquele 4º lote, foi prenotado para registro. Ora, se você me disser que de plano recusará o registro estará respondendo o óbvio, afinal de contas você estudou muito para o concurso do cartório e chegou a ficar até entre os primeiros lugares, sendo certo que você sabe que ocupação de terreno de marinha é precaria e não tem ingresso no Fólio Real. Mas isso meu amigo, acredito até mesmo o décimo milésimo colocado no concurso também sabe. A questão agora é decidir entre fazer e não fazer, valorando princípios, pois no caso hipotético apresentado a solução, suponhamos que metade dos imóveis de marinha em regime de direito de ocupação daquela cidade encontrem-se lançados irregularmente junto ao Livro 2. Você, enquanto oficial de registro de imóveis, deverá tomar uma decisão dentro do exíguo prazo legal previsto para a qualificação do título, findo o qual ou o registro será realizado, não será realizado ou será levantada Dúvida ao juiz. E nesse prazo meu amigo, você deverá fazer um verdadeiro confronto de princípios em sua mente. Você colocará de um lado a função social da propriedade, •••
Phelipe de Monclayr Polete Calazans Salim*