A difícil luta dos notários e registradores para a percepção dos emolumentos relativos aos atos do hipossuficiente e aos títulos judiciais - Parte I
1. Introdução O Brasil é um “Estado Democrático de Direito”, assevera o art. 1º da Magna Carta. Essa qualidade do Estado brasileiro constitui uma garantia de que o Poder estatal, na tripla partição desenhada por Montesquieu, será exercido sobre os pilares do Direito, ou, nas palavras de Alexandre de Moraes, “[...] no respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais”. (Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional, 9ª Ed. Atlas, São Paulo, 2001). Lamentavelmente, nem sempre isso ocorre quando o direito atacado é a remuneração dos notários e registradores através dos emolumentos, como evidencia recente decisão do STJ, no Recurso Especial nº 1100521, que abordaremos mais adiante. Dentre os direitos e garantias fundamentais do art. 5º da Carta Política, encontramos: II) ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; ... XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; O inciso II espelha o princípio da legalidade e o inciso XLV o da intranscendência ou responsabilidade pessoal. De modo simples a compreensão literal desses princípios significa que nenhuma autoridade pode obrigar alguém à determinada conduta senão em virtude de uma lei prévia, e também que nenhuma condenação judicial poderá atingir terceiros, alheios ao processo. Contudo, os direitos e garantias fundamentais assegurados na Carta da República não se resumem ao rol do art. 5º, podendo ser encontrados em normas infraconstitucionais, sobretudo reguladoras de normas constitucionais, sempre que tiverem aplicação imediata, bem como que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (art. 5º, §§ 1º e 2º). Logo, outros direitos previstos na Constituição Federal, ainda que dependentes de legislação ulterior, desde que tenham aplicação imediata, têm natureza de direito e garantia fundamental. Lembra Alexandre de Moraes, que a simples natureza de direito e garantia fundamental de um preceito constitucional “não bastaria se outros mecanismos não fossem previstos para torná-la eficiente (exemplo: mandado de injunção e iniciativa popular)”. (Moraes, Alexandre de. Op. cit. pág. 58, item 2). Por óbvio, tal lembrete só se justifica havendo direito e garantia fundamental em lei reguladora. Com essas premissas cabe analisar o disposto no art. 236 da Constituição Federal para ver se o mesmo integra ou não o rol dos direitos e garantias fundamentais. 2. Emolumentos: direito e garantia fundamental dos notários e registradores A Constituição Federal de 1988 estabelece: Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. § 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. § 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. § 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses. O art. 236 da CF/88 divide-se em duas partes, ambas de aplicação imediata. O caput e o § 3º, que não dependem de lei ulterior para sua aplicação, e os §§ 1º e 2º, que dependem de lei ulterior para sua aplicação. O § 1º foi regulado pela Lei nº 8.935, de 18.11.1994, e o § 2º, pela Lei nº 10.169, de 29.12.2000, que fixou normas gerais sobre os emolumentos, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal, mediante lei (art. 2º, Lei 10.169/00), fixar o valor dos emolumentos dos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. A aplicação imediata desses regulamentos é estabelecida nos artigos 54 e 10, respectivamente, das Leis nºs. 8.935/94 e 10.169/00, do seguinte teor: “Esta lei entra em vigor na data de sua publicação”. Vê-se, pois, que o disposto no art. 236 da Magna Carta integra o rol dos direitos e garantias fundamentais, sendo, portanto, inviolável, tanto em relação ao seu caput e § 3º quanto em relação aos regulamentos dos §§ 1º e 2º, conforme preceitua o art. 5º da Carta Suprema. 3. A inconstitucionalidade das leis que conferem gra-tuidade nos serviços notariais e de registro exercidos em caráter privado, sem a correspondente fonte de custeio O art. 236, caput, da Constituição Federal, •••
Valestan Milhomem da Costa*