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BDI Nº.22 / 2012 - Assuntos Cartorários Voltar

Os bens públicos – Imóveis da União – Terrenos de marinha – Problemas gerados pelas enfiteuses – Parte II – Final

(Palestra proferida por ocasião do XXX Encontro Regional dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil em São Luís, Maranhão, de 24 a 26 de maio de 2012). 9. Constituição de enfiteuse (aforamento) em terreno de marinha Demarcados, cadastrados e registrados os terrenos de marinha estão aptos a serem aforados, pois a proibição de constituição de aforamento de que trata o art. 2.038 do Código Civil não alcança a enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos, por ser regulada em lei especial, conforme ressalva o § 2º do mesmo artigo do Código Civil. O aforamento de imóveis da União, porém, depende de expressa autorização legal ou do Presidente da República, segundo o interesse do serviço público, sendo a aplicação do regime de competência da SPU, ouvidos os órgãos competentes (arts. 99 e 100, DL nº 9.760/46). Após a fase de audiência com os órgãos e pessoas de que trata o art. 100 do DL 9.760/46, sem impugnação ou com impugnação improcedente, a aplicação do regime de enfiteuse aos terrenos de marinha se dará com rigorosa observância da ordem de preferência dos interessados na contratação, em conformidade com os artigos 104 e 105 do Regulamento. Uma vez preenchidos os requisitos à concessão do aforamento, o mesmo será concedido mediante contrato enfitêutico, lavrado em livro próprio da SPU, no qual constarão as condições estabelecidas e as características do terreno aforado (art. 109, DL 9.760/46), que serão aquelas minudenciadas no art. 176, § 1º, I, II, número 3, b, com vistas a viabilizar a abertura de nova matrícula para a área aforada (e para a área remanescente) visando possibilitar o registro do contrato de aforamento. É preciso lembrar que a demarcação de terreno de marinha consistirá invariavelmente na identificação de uma faixa de terra com largura de 33 metros de profundidade, medidos para a terra, a partir da linha da preamar média de 1831, e comprimento que alcançará toda a área demarcada, razão de ser do mapa detalhado e do relatório ou memorial circunstanciado indicando a circunscrição judiciária e administrativa de localização da área demarcada (artigos 26, §§ 2º e 3º, 51 e 52 do DL nº 9.760/46), que poderá atingir mais de uma área administrativa. Como indicado acima, será aberta matrícula para a área demarcada, com a devida especialização objetiva (do imóvel) e subjetiva (do titular do direito), em atenção ao princípio da unitariedade matricial, que exige para cada imóvel uma matrícula e somente uma matrícula para cada imóvel. Ocorre que as características do terreno aforado não coincidirão com as características do imóvel demarcado, tendo em vista que aquele é parte deste. Logo, para possibilitar o registro do contrato de enfiteuse será necessário o prévio desmembramento da área aforada, com abertura de matrícula para esta e para a área remanescente, por não ser possível registrar título contendo características do imóvel distintas daquelas constantes da matrícula (art. 225, § 2º, LRP), à exceção da usucapião (art. 226, LRP). A certidão de desmem-bramento será firmada pela própria SPU, contendo a descrição da parte destacada e da parte remanescente, para viabilizar a abertura das matrículas correspondentes. O ideal, naturalmente, é que o desmembramento contemple todas as áreas a serem dadas em aforamento, dentro da área demarcada, facilitando sobremaneira o registro dos contratos a serem posteriormente apresentados. Averbe-se, ainda, que a cada área destacada, devidamente identificada e caracterizada, corresponderá um número de cadastro na SPU, denominado R.I.P. (para fins de arrecadação de foro e laudêmio), que deverá constar na certidão do desmembramento realizado pela SPU e também da respectiva matrícula. Por ocasião do registro do contrato de aforamento será necessário averbar também o número de inscrição no cadastro da Prefeitura Municipal respectiva, que será criado para fins de cálculo do ITBI devido na aquisição do domínio útil, por força do contrato de enfiteuse (art. 110, DL nº 9.760/46), e também, doravante, para cobrança do IPTU. Conquanto o número do cadastro na Prefeitura possa ser averbado desde a abertura da matrícula do imóvel desmembra-do, não se afigura essencial essa exigência, pois o cadastro imobiliário tem finalidade arrecadatória. Porém, os bens públicos não estão sujeitos a tributação em razão da reciprocidade de imunidade tributária instituída pela Constituição Federal. Contudo, uma vez constituída a enfiteuse, opera-se a bipartição do domínio do imóvel, passando o domínio útil a constituir propriedade privada, sujeita, portanto, ao tributo territorial urbano. 10. Da obrigatoriedade do registro do contrato de enfiteuse A despeito da enfiteuse não constar expressamente no rol dos direitos reais do art. 1.225 do Código Civil, é certo que consta implicitamente no bojo do inciso I, que define como direito real “a propriedade”, e a enfiteuse nada mais é que direito de propriedade, embora compartilhada, consubstanciada no “domínio útil” do imóvel. A enfiteuse é direito real de propriedade resta patente, inclusive, pelo fato de ser objeto passível de garantia hipotecária (art. 1.473, III, CC) e de alienação fiduciária (art. 22, § 1º, I, Lei nº 9.514/97). Ademais, a própria incidência do ITBI na constituição ou transferência do contrato de enfiteuse espanca definitivamente qualquer dúvida quanto à natureza jurídica do domínio útil como direito real de propriedade, nos termos do art. 156, II, da Constituição Federal. Sendo direito real de propriedade, a constituição ou transmissão do contrato de enfiteuse exige ato de registro no competente Registro de Imóveis (art. 1.227, CC). O contrato de enfiteuse, porém, será lavrado pela SPU em livro próprio, com força de escritura pública, não estando o contrato de transmissão do direito real, nesse caso, sujeito à regra da forma pública, nos termos do art. 108 do Código Civil. Pelo exposto, fica evidente que nenhum aforamento de terreno de marinha (ou de qualquer outro bem público) poderá ser constituído por simples comunicação da SPU ao Registro de Imóveis da existência do aforamento; ou de apresentação de certidão de cadastro em nome de particular junto à SPU, muito menos mediante averbação dessas informações na matrícula do imóvel, ainda que meramente para esclarecer que parte do imóvel matriculado seja constituído de terreno de marinha, pois a caracterização e titulação dos terrenos de marinha exigem a observância dos procedimentos demarcatórios delineados na lei, pelos fundamentos aqui expressos. 11. Remissão de aforamento de terreno de marinha A extinção de aforamentos de bens públicos da União está prevista no art. 103 do DL nº 9.760/46, com redação dada pela Lei nº 11.481/2007, constituindo uma das hipóteses de extinção “a remissão do foro, nas zonas onde não mais subsistam •••

Valestan Milhomem da Costa*