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BDI Nº.36 / 1997 - Assuntos Cartorários Voltar

CAPACIDADE CIVIL

CAPACIDADE PARA CONTRATAR APRESENTAÇÃO Recebi o encargo de elaborar este pequeno trabalho para o III Congresso Notarial do Mercosul. É para mim um desafio. Tenho a esperança de poder apresentar algo que possa ser útil e válido. A incerteza de estar à altura dos demais é traduzida na angústia de expor-se ao julgamento dos congressistas na leitura do texto elaborado. O tema a ser abordado é por demais amplo e complexo, e a literatura disponível específica sobre o mesmo é limitada, encontrada apenas nas abordagens integradas ao estudo da capacidade civil em geral, e, subsidiariamente em elaborações de temas nos casos específicos, o que torna insuficientes as informações para pesquisa mais detalhada e elaborada sobre a matéria. Por isto o conteúdo do trabalho será praticamente de construção teórica com base nos conhecimentos e na experiência notarial diária no trato do assunto. Penso que a visão notarial do tema é a mais consistente, porquanto está solidificada na prática diária do exercício profissional. Dedico este trabalho aos meus funcionários pela lealdade afetiva no trabalho com a qual vivemos a emoção do mesmo sonho de construirmos um serviço notarial cada vez melhor para nós e nossa cidade. I - CAPACIDADE EM GERAL Capacidade etimologicamente palavra de origem latina "capacitatem", cujo significado é aptidão, habilidade ou faculdade ou possibilidade legal, segundo "Dicionário Prático da Língua Nacional" de J. Mesquita de Carvalho, 19ª Edição, Editora Egéria S.A. - São Paulo. A abordagem a que se refere o tema é a capacidade civil. A Constituição Brasileira, em seus artigos 5º a 17 prevê e assegura os Direitos e Garantias Fundamentais da Pessoa Humana. Estas normas constitucionais determinam a eficácia das demais normas de Direito Civil sobre a capacidade civil. A capacidade civil condição para o exercício de direitos e obrigações é o instrumento legal de realização da cidadania. O Estado institucionalizado confere a todos pelo contrato social, a que se refere Rosseau, a capacidade de direitos e obrigações, acima, definida como capacidade civil, para o exercício da cidadania de um povo, tornando, destarte cada cidadão senhor de seu destino. II - CAPACIDADE DE DIREITO A capacidade de direito somente pode ser entendida no contexto da compreensão da personalidade humana. A personalidade humana segundo nosso direito positivo inicia?se com o nascimento com vida, reservando?se ao nascituro, entretanto, uma expectativa de direito. Assim se manifesta, nosso civilista e jurista maior Clóvis Bevilaqua: "Em relação ao início da existência da personalidade humana, há duas doutrinas. Uma faz começar a personalidade civil com o nascimento, reservando para o nascituro, entretanto, uma expectativa de direito." Refere Clóvis, que na legislação comparada "o Direito Romano é vacilante quanto ao início da personalidade. O Código Civil da Áustria, art. 22, e o argentino art. 63 e 70, fazem coincidir o início da vida jurídica da pessoa com o início da vida psicológica do indivíduo. A maioria dos códigos modernos, porém, declara que a personalidade civil começa com o nascimento. Neste sentido dispõem: O Código Civil Alemão, art. 1º; o Suíço, art. 31; o Português, art. 6°; o Espanhol, art. 29; o Mexicano, art. 22; Japonês, art. 1º; o Chileno, art. 74, 1ª al.; Venezuelano, art. 16; o Peruano, art. 1°; o Italiano, art. 1° Teixeira de Freitas, Nabuco e Felício dos Santos esposaram a outra corrente que remonta à concepção o início da personalidade civil. Esta não adotada pelo nosso sistema legal, embora sua consistente argumentação. Restando, então, insofismável a posição do Código Civil Brasileiro, que a personalidade civil começa com o nascimento com vida, afirmando Clóvis: "basta que a criança dê sinais inequívocos de vida, para ter adquirido a capacidade civil". Ao estatuir, em seu artigo 2°: "Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil", subordinando o início da capacidade civil ao nascimento com vida, pode?se afirmar que todo homem a partir do nascimento com vida é capaz de direitos e obrigações na ordem civil, e, portanto, definir como regra da capacidade civil: "a faculdade legítima que toda pessoa tem para adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos e contrair obrigações na ordem civil, por si ou por intermédio de seu representante legal". Historiar sobre a origem e evolução é verificar quais as normas nesta e naquela sociedade humana, Estado ou Nação, em épocas diferentes sobre a capacidade jurídica. Contudo, para compreensão do tema, suficiente a referência ao direito romano, do qual remanesce o maior legado histórico consistente de sistematização das diferentes denominações de status, conforme menciona e muito bem compila, Édison dos Santos Godoi, em: "A Capacidade Contratual e o Analfabeto", Universidade Vale do Rio dos Sinos ? UNISINOS, Centro de Ciências Jurídicas, São Leopoldo, RS, maio de 1994, "como qualidade em virtude da qual o romano adquiria direitos, também referida como condição civil da capacidade. Havia dois status: o status civilis e o status naturalis. O status civilis era composto por três elementos: a liberdade, a cidade e família (libertas, civitas, família) a que correspondiam os três status principales: status libertatis, status civitatis e o status familae", consignado que na reunião destes três elementos consubstanciava?se a plena capacidade de direito ou jurídica da pessoa. Com referência à idade, os romanos distinguiam: a) os menores de vinte e cinco anos; b) os maiores de vinte e cinco anos. Os menores de vinte e cinco anos poderiam ser: infantes, infantia maiores e adolescentes. Com referência à puberdade, distinguiam?se em impúberes e púberes. A infantia durava até os sete anos de idade. Estes não poderiam praticar atos jurídicos. Eram semelhantes aos nossos absolutamente incapazes, pois não era considerada a sua vontade. Quem ultrapassava a infantia era infantia maior. O infantia maior poderia praticar atos jurídicos com assistência de um tutor, que integrava sua vontade. Os atos praticados por eles eram considerados válidos no que lhes eram favoráveis; nulos, no que lhes prejudicavam. A infância durava até a puberdade, fixada em 14 anos para o homem e 12 para a mulher. Os adolescentes eram os que tinham atingido a puberdade, sendo, contudo minores annourum, ou seja, menores de vinte e cinco anos. O instituto venia setatis do imperador Constantino concedeu aos maiores de vinte anos e às maiores de dezoito anos a faculdade de administrarem os próprios bens. Citamos, também, que a capacidade poderia ser limitada pelo sexo da pessoa. Pois bem, a capacidade de agir da mulher, embora púbere, estava limitada, pois ela se encontrava sob a tutela perpétua (de um pater familias) e necessitava de auctoritas tutoris para praticar atos que não importassem na simples administração de seus bens; por exemplo a alienação de uma coisa de particular valor econômico. O estado de saúde também influía na capacidade da pessoa, podendo haver privação ou limitação da capacidade de agir em conseqüência disto. O furius ou demens, sem vontade, não era capaz de praticar atos jurídicos válidos. Porém, nos intervalos de lucidez era plenamente capaz. O surdo?mudo não poderia praticar atos jurídicos que implicassem a pronúncia de determinadas palavras. O pródigo interditado não tinha commercium, ou seja, não tinha capacidade jurídica em relação aos direitos patrimoniais. Por sua vez, a condenação penal também era motivo de limitação à capacidade de exercer todos os atos da vida civil. Pela Lei das XII Tábuas, por exemplo, a pessoa que se negasse a depor como testemunha se tornaria intestabilis, isto é, não mais poderia ser testemunha e nem exigir que outros o fizessem em seu lugar. Tendo em vista que os atos jurídicos, na época, exigiam a presença de testemunhas, o intestabilis ficava praticamente privado da capacidade de exercer todos os atos da vida civil. Analisamos, pois, o Direito Romano que deu origem ao nosso ordenamento civil pátrio. Passaremos a seguir a analisar algumas legislações estrangeiras. Na Itália Na Itália, por exemplo, a capacidade jurídica ou de direito adquire?se com o nascimento, consoante com o que dispõe o art. 1° do Código Civil italiano, que diz: "I Capacità giuridica. La capacità giuridica si acquista dal momento della nascita. I diritti che la legge riconosce a favore del conceptio sono subordinati all´ évento della nascita". Note?se que, diferentemente do que dispõe nossa Lei Civil, a Lei Civil italiana não diz expressamente que o nascimento com vida é o pressuposto para a aquisição da capacidade jurídica. Dispõe apenas que a aquisição da capacidade jurídica se dá com o nascimento. Já com referência à capacidade de fato ou de agir, a Lei Civil italiana considera a idade de 18 anos como maioridade civil e conseqüentemente, a plena capacidade para os atos da vida civil. É o que dispõe o art. 2° da lei civil italiana: "2 Maggiore età. Capacità di agire. La maggiore età è fissata al compimento des diciottesimo anno . Con la maggiore età si acquista la capacità di compiere tutti gli atti per i quali non sia stabilita una età diversa. Sono salve le leggi speciali che stabiliscono un´ èta inferiore in materia di capacità a prestare il proprio lavoro. In tal caso il minore è abilitato all esercizio dei diritti e delle azioni che dipendono dal contratto di lavoro". Na Alemanha A Lei Civil alemã, por sua vez, concede a capacidade jurídica com a conclusão do nascimento. É o que dispõe o parágrafo 1° da Lei Civil alemã, traduzida para o português. "§ 1 (Capacidade) A capacidade jurídica do homem começa com a conclusão do nascimento". A capacidade de fato ou de exercício resulta do advento da maioridade civil, aos 21 anos de idade, consoante com o que dispõe o parágrafo 2° da Lei Civil alemã: " § 2 (Maioridade) A maioridade tem lugar com a conclusão do vigésimo primeiro ano de vida". Também dispõe a Lei Civil alemã sobre a capacidade contratual, a qual denomina de capacidade de negócio. De acordo com o parágrafo 104 de dita Lei: "§ 104 (Incapacidade de negócio) É incapaz de negócio: 1. quem não completou sete anos de idade; 2. quem se encontra em estado de perturbação doentia da atividade mental que exclua a livre determinação da vontade, contanto que esse estado, pela sua natureza, não seja passageiro; 3. quem, por moléstia mental, for interditado". Na Argentina Pela Lei Civil da Argentina, adquire?se a capacidade de direito ou jurídica também com o nascimento, consoante com o que dispõe os arts. 52 e 54 de dita Lei: "Art. 52 ? Las personas de existencia visible son capaces de adquirir derechos e contraer obligaciones. Se reputan tales todos los que este Código no están expresamente declarados incapaces". "Art. 54 ? Tienen incapacidad absoluta: 1º) Las personas por nacer. 2º) Los menores inpúberes. 3º) Los dementes. 4º) Los sordos?mudos que no saben darse a entender por escrito. 5º) Los ausentes declarados tales en juico" Por sua vez, a capacidade de exercício ou de fato, adquire?se com o implemento da idade de vinte e um anos, consoante com que dispõe os arts. 126, 127 e 129 de dita lei: "Art. 126 ? Son menores las personas que no hubieren cumprido la edad de veintiún años". "Art. 127 ? Son menores inpúberes los que acín no tuvierem la edad de catorce años cumplidos y adultos los que fueren de esta edad hasta los veintiún años cumplidos". "Art. 129 ? La mayor edad habilita, desde el dia que comenzare, para el ejercicio de todos los actos de la vida civil, sin depender de formalidad alguna o autorización de los padres, tutores, o jueces". Em Portugal A exemplo da Lei Civil brasileira, a legislação de nosso país irmão, Portugal, concede capacidade jurídica à pessoa a partir do nascimento com vida, conforme se vê pelos seus arts. 66 e 67: "Artigo 66 (Começo da personalidade) 1. A personalidade adquire?se no momento do nascimento completo e com vida. 2. Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento". "Artigo 67 (Capacidade jurídica) As pessoas podem ser sujeitas de quaisquer relações jurídicas, salvo disposição legal em contrário; nisto consiste a sua capacidade jurídica". Referente à capacidade de fato ou de exercício, a Lei Civil portuguesa a concede com o implemento da idade de dezoito (18) anos. É o que dispõe os arts. 122 e 123 de dita Lei: "Artigo 122 (menores) É menor quem não tiver ainda completado dezoito anos de idade". "Artigo 123 (Incapacidade dos menores) Salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos". Incapacidade absoluta A incapacidade absoluta é a incapacidade de exercer por si os atos da vida civil. Veremos, adiante, a forma de suprir tal incapacidade. Como já vimos anteriormente, a capacidade para o exercício dos atos da vida civil está adstrito a uma série de fatores. Estes dizem respeito a idade e ao estado de saúde. O art. 5° do Código Civil elenca todos os casos de incapacidade absoluta. "Art. 5. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - Os menores de dezesseis anos. II - Os loucos de todo o gênero. III - Os surdos?mudos, que não puderem exprimir a sua vontade. IV - Os ausentes, declarados tais por ato do juiz." A intenção do legislador foi de condicionar, a um determinado instituto jurídico, a capacidade de determinadas pessoas, que ou são consideradas imaturas, ou não possuem condições de discernir acerca dos atos que praticam, ou não podem manifestar sua vontade, pois tal manifestação implica usar sentidos que não possuem, bem como as consideradas ausentes. Tal instituto jurídico é o da representação, sobre o qual explanaremos a seguir. Essa intenção do legislador não vai de encontro aos interesses dessas pessoas, nem tem o intuito de prejudicá?las, muito pelo contrário, visa, sim, a proteção dos interesses das mesmas. Essas pessoas absolutamente incapazes têm direitos, podem adquiri?los, mas não podem exercê?los pessoalmente. Suprimento da incapacidade absoluta Supre?se a incapacidade absoluta através do instituto da representação. Todos os atos praticados por absolutamente incapazes devem ser representados por seus representantes legais, sob pena de serem declarados nulos. Conforme consta no art. 84, 1ª parte, do •••

Tabelião: Sérgio Afonso Manica - Colaborador: Édison dos Santos Godoi (substituto) - 5º Tabelionato