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BDI Nº.18 / 1998 - Assuntos Cartorários Voltar

CORREÇÃO DE ERROS MATERIAIS EM ESCRITURA PÚBLICA. COMO CORRIGÍ-LOS. APRECIAÇÕES SOBRE ATA NOTARIAL

ERRO. Num conceito simplista, é uma FALHA, é um EQUÍVOCO é um ENGANO. É o que não é verdadeiro. Se formos filosoficamente apreciar o conceito de erro, iremos encontrar várias correntes que procuram conceituar o erro, mas todas elas o identifica e o caracteriza como ato humano, até mesmo integrante da personalidade humana. Daí a consolidação do pensamento de SÊNECA: "ERRARE HUMANUM EST" (Errar é humano). Contudo S. BERNARDO, sem contestar a falibilidade humana, adverte que não se deve perseverar no erro, "PERSEVERARE AUTEM DIABOLICUM". O notário é um ser humano. Dentre suas atribuições, inclui-se a de redigir ESCRITURAS PÚBLICAS, nelas registrando o estipulado pelas partes, exposto de forma verbal perante ele e à vista de documentos que na oportunidade lhe são exibidos. Uma escritura pública, como ato humano, pode ser formalizada com erro. Como ela é um ato complexo, e essa característica decorre dela ser integrada pelas partes, pelo notário e por documentos, pode ela ser concluída com erro. Numa escritura pública, os nossos cinqüenta anos de atividades notariais, levam-nos a afirmar com segurança: erra-se por negligência, erra-se por ignorância e erra-se, até mesmo propositadamente. Conseqüentemente, nas atividades notariais, erra-se. Como também erra-se na realização dos serviços registrários. Quando o erro consta de um ato de registro, a própria Lei 6.015 que disciplina a execução desses serviços, estabelece a forma de se corrigir o erro cometido. Assim, quando o erro está contido num ato registrário, e sendo ele evidente, o oficial, por lei, expressamente está autorizado a corrigí-lo "COM A DEVIDA CAUTELA". (Art. 213, § 1º) Por que o notário não tem igual faculdade? Vamos tentar responder a essa indagação. O Oficial registrador pratica o ato registrário à vista de um título que lhe é exibido. Pressupõe-se que esse título é um título certo, ou seja, sem erro. A evidência do erro praticado pelo oficial decorre do simples confronto do título com o contido no ato registrário. Esse é o erro evidente, que não enseja qualquer dúvida quanto a ocorrência, inclusive quanto ao seu autor. Como já registramos, o notário ao redigir uma escritura, vale-se do DECLARADO VERBALMENTE pelas partes em sua presença e em documentos que por elas lhe são apresentados: título de propriedade, certidões, recibos, documentos de identidade ... e outros. Vamos dar um exemplo: ANTONIO adquire um imóvel. Quando a escritura é apresentada a registro por seu traslado, o oficial, inadvertidamente registra como adquirente ANTONIA, (sexo feminino). O simples confronto do título que deu suporte ao registro prova o seu erro evidente. Conseqüentemente, pode ele ser CORRIGIDO POR INICIATIVA EXCLUSIVA DO OFICIAL. O título original evidencia o seu erro. Invertamos o exemplo: o erro é do notário. Ele errou ao registrar o nome do comprador, alterando-o para ANTONIA. Simplesmente porque o ato notarial é pluralista, ou seja, se forma pela integração de vários elementos, ele notário não pode por iniciativa própria corrigí-lo. Nessa pluralidade de elementos do ato notarial é que esta a justificativa de não poder ser ele corrigido nos seus erros, por iniciativa exclusiva do notário. Há que se ter mais cautela na sua correção, porque a correção, eliminando o erro, pode comprometer outras situações, e agravar e comprometer ainda mais a finalidade do ato. Mas, inegavelmente, não se pode erigir em dogma, a afirmativa de que uma ESCRITURA PÚBLICA SÓ PODE SER RETIFICADA POR OUTRA ESCRITURA PÚBLICA, com a participação das mesmas partes, mormente quando o erro cometido não foi praticado por nenhuma delas mas sim, pelo notário. Aquele enunciado de que uma escritura só é retificável por outra escritura, não pode ser dogmático, mormente quando o erro evidente é do notário, e em nada se relaciona com o acordo de vontades das partes. O erro, se pela sua natureza, comprovadamente é do notário, aquele enunciado é injustificável para a sua correção. Por princípio, admite-se a regra expressa naquela afirmativa, mas como toda regra tem exceção, essa a tem também. A rigor - e isso é formalidade essencial que a caracteriza - toda escritura - deve ser lida pelo notário às partes, que ouvindo o que lhes é lido, podem constatar um erro e ser o mesmo corrigido através de "entrelinha" ressalvada no final, ou até mesmo com um EM TEMPO, através do qual o erro é corrigido. Contudo, essa formalidade, leitura integral do ato - escritura pública - pode não ocorrer ou se ocorrer, às vezes a atenção das partes não identifica o erro, e passa ele (erro), embora de responsabilidade do notário, ter foros de verdade. Quando o erro se transmuda em VERDADE, os seus efeitos são danosos. Há necessidade de se estabelecer a AUTÊNTICA VERDADE que o ato notarial deve registrar, suprimindo-se o erro. O DOUTOR REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA, quando em exercício na 2ª Vara de Registros Públicos da Capital, em seus despachos e decisões administrativas, relacionadas com erros materiais praticados por notários, FEZ ESCOLA no que tange às suas correções. Foi prático e objetivo nas suas determinações. Valorizou os serviços e aqueles que os realizam, quando sua ação correcional se fazia necessária. Sobre o assunto por nós ora enfocado, temos em nosso fichário, extraída do Diário da Justiça de 1 de junho de 1983, pág. 86 uma sua decisão, na qual ele anota o absurdo de exigir-se um procedimento retificatório, para corrigir um erro aritmético constatado numa escritura. Em sua sentença proferida no processo 40/83 - Expediente - deixou ele, de forma expressa e determinativa: "DORAVANTE, QUALQUER DIFICULDADE DE ORDEM MATERIAL PODERÁ VIR A SER SANADA POR ESTE JUÍZO, POSSIBILITANDO ÀS PARTES PRODUÇÃO DE PROVAS EM JUÍZO ADMINISTRATIVO E FICANDO ALVEDRIO DO MAGISTRADO A SUPLEMENTAÇÃO OU RETIFICAÇÃO DOS ATOS SUBORDINADOS À SUA COMPETÊNCIA CORRECIONAL." Que magnífica oportunidade abriu aquele magistrado para todos os notários paulistanos, quando constatassem erros materiais cometidos na redação de escrituras! Até mesmo por iniciativa própria, poderiam eles, através de circunstanciada comunicação, obterem junto ao Juiz Corregedor a correção de erros evidentes existentes em seus livros de notas, e até mesmo "SUPLEMENTAR" omissões e falhas neles existentes. Não são somente as partes que participam da elaboração da escritura pública os únicos interessados em solicitar e promover a RETIFICAÇÃO do título, quando o erro nele contido não é de responsabilidade de nenhuma delas, mas sim, do notário que a redigiu. O erro do notário também é erro, e como tal, em nosso entender, tem ele capacidade para solicitar por escrito ao Juízo administrativo, autorização para corrigí-lo, ficando a critério do Juízo pedir ou não a manifestação das partes ou de seus sucessores, considerando a natureza do erro que deve ser corrigido. Dissemos que o DOUTOR REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA fez escola na citada 2ª Vara de Registros Públicos da Capital de São Paulo. A comprovar essa nossa afirmativa, trazemos em colação estas duas soluções dadas por um de seus sucessores naquela vara: Proc. 64/85. Vistos. Cuidando-se de mero erro material, sem alterar a vontade das partes, mas apenas e tão somente o ato administrativo notarial, defiro o pedido de fls. 2/3, que contou com o parecer favorável do Dr. Curador. Acolho como razão de decidir, os argumentos expedidos pelo ilustre Magistrado, Dr. REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA, nas sentenças xerocopiadas as fls. 13/v. a 14/16. Expeça-se mandado com as cautelas anteriormente determinadas. Do Proc. 72/85 do mesmo juízo, extraímos: "Sentença de fls. 21/21v.. Tratando-se como se trata de mero erro material, consoante se vê da prova literal acostada, defiro a retificação requerida, INDEPENDENTEMENTE DE LAVRATURA DE NOVA ESCRITURA (Re-ratificação). Deverá o senhor Tabelião proceder em consonância com as pretéritas decisões (cf. fls. 14v. 15/17), as quais passam a incorporar a presente, inclusive, no que concerne aos fundamentos jurídicos, aqui adotados. Expeça-se mandado arquivando-se oportunamente." (Observações: Tais decisões foram extraídas do Diário da Justiça de 3 de junho de 1985, pág. 106, 2ª Vara de Registros Públicos.) COMO SE CORRIGE O ERRO EVIDENTE CONSTANTE DA ESCRITURA Se o erro evidente é comprovadamente de responsabilidade do notário, a sua correção, a rigor, deverá ser procedida de forma simples e menos onerosa para o interessado prejudicado com o erro. Recebido o mandado expedido pelo Juiz Corregedor da Serventia, determinando a correção do erro, o notário, à vista do mesmo, verificará da possibilidade da RETIFICAÇÃO ser procedida validamente no próprio ato que contém o erro, se do ato existir espaço suficiente em suas margens e no seu final, que comporte a lavratura do termo de retificação determinado, e em seguida, extrairá certidão de inteiro teor do ato, agora com o erro corrigido, mencionando-se também na certidão a determinação judicial para a correção do erro existente. Se da escritura que contém o erro evidente não existir espaço suficiente para sua correção, o notário, valendo-se do disposto no art. 98 da Lei de Registros Públicos de nº 6.015/3 aplicado por analogia ao caso apreciado, lavrará no seu LIVRO DE NOTAS CORRENTE termo de retificação com remissões recíprocas, com a finalidade de facilitar buscas futuras e no termo de retificação lavrado no livro de notas corrente, deixará expresso a forma pela qual o erro cometido é corrigido, e nele transcreverá o mandado, arquivando-se em seguida em pasta própria. O termo "remissão" contido no art. 98 mencionado, tem o sentido de remeter, ou seja, de ir de uma escritura (errada) para o termo retificatório que a corrige. O termo incorpora-se à escritura. Esclarecemos. Na escritura errada não há espaço suficiente para que o notário cumprindo o mandado, corrija o erro material e evidente nela existente, cuja correção foi determinada pelo Juiz Corregedor, ele lança esta anotação: VIDE TERMO RETIFICATÓRIO, lavrado às fls.... do livro de notas nº .... desta serventia, que passa a integrar esta escritura. No livro corrente será lavrado o TERMO RETIFICATÓRIO DE ESCRITURA, com remissão à escritura retificada, ficando expresso que tal termo passará a integrar a escritura ora retificada em parte. Essas remissões são necessárias para se estabelecer uma UNIDADE DO ATO (escritura e termo retificatório) para extrações de futuras certidões. A escritura e o termo se integram; completam-se. Passam a constituir-se um só ato. Em nosso entender, as partes que participaram da escritura não necessitam assinar o termo retificatório, simplesmente porque o erro corrigido, elas tomaram conhecimento no processo administrativo e sobre ele manifestaram-se. O mandado de retificação expedido pelo Juiz administrativo resulta também da concordância expressa dos interessados na eliminação do erro. Esse termo retificatório de ato notarial, para nós equivale a uma "AVERBAÇÃO" lançada num ato de registro, e como tal deve ser formalizada com as mesmas cautelas com que o oficial registrador procede numa averbação. (cf. arts. 98 e 99 da Lei Federal nº 6.015). As averbações não são assinadas. Elas têm suporte num documento, que arquivado na serventia, provam sua procedência e necessidade. Esse assunto já foi por nós apreciado em "Comentário", divulgado no BOLETIM DO DIREITO IMOBILIÁRIO, à página 13 do 3º decêndio agosto de 1989, e a ele remetemos os que interessarem-se pelo assunto, cujo título é "A ANGÚSTIA DE UM NOTÁRIO", que se viu em "papos de aranha" para cumprir mandado judicial determinando-lhe que procedesse uma "AVERBAÇÃO" em uma escritura por ele lavrada. Lá está expresso o nosso entendimento sobre como se processa a averbação numa escritura pública, quando determinada judicialmente. Novamente, voltamos ao assunto ante um CASO CONCRETO ocorrido em São Paulo, que em grau de recurso foi apreciado pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, determinando ela que o Juízo de origem "expedisse o respectivo mandado" a fim de que fizesse a "anotação" junto ao livro nº fls., "expedindo no futuro os traslados correspondentes em sua conformidade e a esta fazendo menção." O caso concreto que motivou aquela determinação pode ser assim sintetizado: a) numa escritura de venda e compra, lavrada há muitos anos, havia comprovadamente este erro: as transcrições dos dois terrenos objetos da escritura estavam erradas. Uma transcrição era de um lote e outra transcrição do outro lote. O redator da escritura inverteu a identificação dos lotes pelos números das transcrições. Erro evidente. Erro comprovado. Inquestionavelmente erro de descuido e da falta de atenção do redator do ato notarial. O mandado - ordem judicial - era expresso para que o notário "PROCEDA A RETIFICAÇÃO DA ESCRITURA DE VENDA E COMPRA", lavrada em suas notas, naquilo que ela efetivamente continha de errado, ou seja, o lote tal é transmitido pela transcrição tal e o outro era transmitido pela transcrição tal. Esse erro evidente que o interessado procurou corrigir, na qualidade de sucessores do primitivo adquirente, não logrou êxito no Juízo de primeiro grau, que adota o consagrado entendimento de que "o pedido de retificação de escritura pública formulado não comporta deferimento por absoluta falta de amparo legal", para em seguida concluir: "Toda e qualquer escritura pública só é retificável por outra escritura pública, porque é da própria essência do ato que a originou." Arrimado na doutrina de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, entende o Juiz sentenciante, que "não cabe ao Juiz substituir-se ao notário, ou a uma das partes contratantes, retificando-se escritura que encerram tudo o quanto se passou e declarou perante esse oficial público." Essa decisão não convenceu o estudioso advogado da parte interessada, que apoiado no entendimento do citado DOUTOR REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA, e de outros sólidos entendimentos que cita nas razões do recurso, recorreu para a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça. Apoia o entendimento do advogado recorrente a digna Promotora de Justiça da respectiva Vara, que acolhe entendimento mais liberal de uma corrente jurisprudencial, que admite em "hipóteses excepcionais" (era o caso) "a possibilidade de retificação da escritura pública por via de decisão judicial proferida em procedimento administrativo." No caso em foco, destaca a ilustre promotora, "O erro material detectado na escritura que se pretende retificar consubstancia na mera incorreção numérica das transcrições originárias do imóvel. A justificar seu entendimento, a Promotora de Justiça registra esta válida situação, que compromete o entendimento dogmático de que só as partes podem retificar a escritura erradamente redigida: "Por outro lado, as partes que comparecem ao ato notarial já estão falecidas, o que torna impossível a realização de uma escritura de retificação." O parecer do magistrado MARCELO FORTE BARBOSA FILHO, na qualidade de Juiz Auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça, contém esta importante e válida observação que aqui transcrevemos: "HÁ QUE SE DISTINGUIR, NO BOJO DE CADA ESCRITURA PÚBLICA, duas partes distintas mas reunidas. De um lado há o negócio ou ato jurídico derivado PURAMENTE DA VONTADE DE UMA OU VÁRIAS PESSOAS e, de outro lado, de NATUREZA ESTRITAMENTE ADMINISTRATIVA, praticado pelo notário exercendo a delegação conferida para o exercício de um serviço público. O conteúdo material é dado pela primeira, enquanto a forma deriva da segunda das •••