LEILÃO EXTRAJUDICIAL -TÍTULO HÁBIL AO REGISTRO DE TRANSMISSÃO DE IMÓVEL
Este breve ensaio tem por finalidade questionar qual o documento hábil para o registro da transmissão de imóveis junto ao Registro de Imóveis, nos leilões públicos extrajudiciais, ocorrentes nos casos em que a lei determina ou autoriza liqüidações de empresas, cooperativas, entidades financeiras, ou ainda quando a norma legal determina ou autoriza a alienação de imóveis em decorrência de inadimplências diversas. Trataremos apenas das alienações extrajudiciais, ou seja, as ocorridas nos processos não presididos por magistrado, eis que as judiciais sabemos todos como são instrumentalizadas. Com risco de esquecer alguma situação específica, trataremos das que ocorrem com mais freqüência. 1 - A regra geral do art. 134, II, do Código Civil É da substância do ato a escritura pública, nos contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis de valor superior a um conto de réis, conforme texto original do Código Civil. Este valor (um conto de réis) sofreu inúmeras modificações ao longo dos anos. Presentemente não tem mais expressão pecuniária, em virtude da extinção dos índices de atualização criados a partir da década de 80. Portanto, se levado em consideração apenas o valor do imóvel, quaisquer dos negócios imobiliários previstos no art. 134, II, necessitam ser instrumentalizados por escritura pública. É sempre bom lembrar que valor não se confunde com preço. Valor se estabelece com base em dados objetivos e de mercado, mediante avaliação criteriosa; preço está limitado apenas aos pactos negociais e decorre da vontade soberana das partes. Então, ainda que seja fixado um preço simbólico ao negócio oneroso, este preço não isentará o negócio da necessidade de escritura pública. Quem determina a forma do título é o valor do bem imóvel negociado. O artigo 82 do Código Civil diz que "a validade do ato jurídico requer agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei". O artigo 130 reza que "não vale o ato, que deixar de revestir a forma especial, determinada em lei". E o art. 145 diz que "é nulo o ato jurídico ... quando não revestir a forma prescrita em lei". Não é comum que um mesmo corpo legislativo contenha tríplice repetição da mesma norma. Tantos dispositivos a dizerem basicamente a mesma coisa, a ênfase inusitada a esta regra, dá mostras do quanto esta questão preocupava o legislador. Mas não apenas o octogenário código pensa assim. No anteprojeto de reforma do Código Civil, já aprovado pelo Senado e atualmente em tramitação na Câmara Federal, encontram-se os seguintes dispositivos: "art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País". E o art. 166 diz (dirá) que "é nulo o negócio jurídico ... quando não revestir a forma prescrita em lei". Esta repetida cautela do legislador é reconhecimento da inigualável função que o Estado atribui ao Notário, servidor de três senhores: - A ORDEM JURÍDICA, zelando pela correta aplicação das leis, garantindo a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos; - AS PARTES CONTRATANTES, mediante uma análise isenta de suas vontades, a adequação desta vontade aos ditames legais e a formalização escorreita do instrumento; e - O ESTADO, cuidando de questões tributárias e atuando na fiscalização de um sem número de interesses do Estado Fiscal. É com justa razão que o notário é chamado de AGENTE DA PAZ PRIVADA. Assim, e apesar dos constantes, infundados, injustos e ignorantes ataques à nobre função do Notário e contra a escritura pública em especial, os autores das leis maiores de nosso direito positivo sabem reconhecer o trabalho do notário como fator de segurança jurídica e paz social, o que de resto não precisa ser provado nem argumentado, bastando para tanto uma pequeníssima margem de discernimento. Fica assentada, desta forma, que a regra geral estabelecida no direito positivo brasileiro exige a escritura pública para, entre outros contratos, a alienação ou oneração de bens imóveis. 2 - Exceções Ao longo dos anos, sucessivas leis encarregaram-se de vulnerar a regra do art. 134, II, do Código Civil. Em nome de uma pretensa simplificação de procedimentos, cujo mote era desburocratizar a qualquer custo - hoje se fala em desregulamentar, o que não passa da mesma filosofia com nome diferente - criou um verdadeiro caos documental nos contratos imobiliários. O Notário tem um compromisso - a escritura pública deve gerar efeitos, ser executável, ter validade e eficácia - ser "registrável", numa análise do ponto de vista do Registro de Imóveis. Já o instrumento particular gera tantos e tais efeitos quanto a isso se propõe o seu redator. Não estando ele vinculado a interesse nenhum que não o seu próprio, não representando ele o agente do Estado nas relações privadas - pode gerar o documento com a eficácia que julgar adequada. Ou que for capaz e a tanto se prestar seu engenho. Como me afirmou um respeitável dono de imobiliária certa vez: sempre que fazia um contrato de locação, tinha o cuidado de certar o instrumento de tais vícios e imprecisões, que nunca o locatário pudesse registrá-lo no Registro de Imóveis e assim jamais viesse a exercer alguns dos direitos que a Lei do Inquilinato assegura somente às locações registradas. É que não lhe interessava isto, na condição em que se investia de "protetor"dos interesses do locador. Mas, críticas à parte, as exceções ao art. 134, II, existem e passaremos a analisá-las ainda que superficialmente. 2.1 - Decreto-lei nº 58 de 10 de dezembro de 1937 A primeira exceção veio com a legislação sobre loteamentos, ao adquirir contratos de promessa de compra e venda de lotes celebrados por instrumentos particulares. 2.2 - Lei nº 649 de 11 de março de 1949 Com esta lei, o uso dos instrumentos particulares estendeu-se também aos contratos de compromisso de imóveis não loteados. 2.3 - Lei 2.627 de 26 de setembro de 1940 Na anterior legislação relativa às Sociedades por Ações, previa-se que a certidão do Registro de Comércio era instrumento hábil ao registro imobiliário das conferências de imóveis vertidos ao patrimônio social. 2.4 - Lei 4.380 de 21 de agosto de 1964 Rude golpe no notariado brasileiro, a criação do Sistema Financeiro da Habitação trouxe no seu bojo a possibilidade de utilização de instrumentos particulares para os contratos de alienação e oneração de imóveis compreendidos naquele plano habitacional. 2.5 - Lei 4.591 de 16 de dezembro de 1964 À semelhança da legislação sobre loteamento, admitiu o instrumento particular como hábil ao registro de compromissos e cessões destes, relativos a imóveis incorporados. Aliás, nada mais fez do que dar continuidade à faculdade criada pela Lei 649 de 11 de março de 1949, antes citada. 2.6 - Decreto-lei nº70 de 21 de novembro de 1966 Entre outros dispositivos, criou a execução extrajudicial do critério hipotecário, criando instrumentos particulares (cartas de arrematação e de adjudicação) hábeis ao registro de transferência de imóveis vendidos em hasta pública não judicial. 2.7 - Decreto-lei nº73 de 21 de novembro de 1966 Ao dispor sobre o sistema nacional de seguros privados, dispôs no art. 85 a inscrição de garantia real imobiliária, mediante simples requerimento firmado pela Sociedade Seguradora e pela Susep. 2.8 - Decreto-lei 167 de 14 de fevereiro de 1967 Criou a cédula de crédito rural, possibilitando a constituição de hipoteca em instrumento "sui generis" - a cédula é documento de emissão unilateral, assinada somente pelo devedor, onde o "contrato de hipoteca", ou seja, a bilateralidade, se dá por atos extra cartulares, ou seja, pela aceitação tácita do credor. Creio que as cédulas rurais, industriais etc., são exemplo único no mundo em que uma hipoteca convencional é registrada sem nenhuma manifestação escrita por parte do credor. 2.9 - Decreto-lei 413 de 9 de janeiro de 1969 Criou a cédula de crédito industrial, com o mesmo espectro e efeitos registrários da cédula rural antes referida. 2.10 - Lei nº 6.313 de 16 de •••
Mario Pazutti Mezzari - Registrador de Imóveis de Pelotas-RS