INDENIZAÇÃO POR DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA - ART. 34 DO DECRETO-LEI Nº 3.365/1941
RECURSO ESPECIAL Nº 260 - DF (Registro nº 89.0008561?1) Relator: O Sr. Ministro Adhemar Maciel EMENTA: Administrativo. Ação de indenização por desapropriação indireta. Art. 34 do Decreto?Lei n. 3.365/1941: Inaplicabilidade. Precedentes. Recurso provido. I - O art. 34 do Decreto?Lei n. 3.365/1941 não se aplica às ações de indenização por desapropriação indireta, mas, sim, às ações de desapropriação direta. II - Nas ações de indenização por desapropriação indireta, a questão de domínio deve ser resolvida no processo de conhecimento, nunca na execução do julgado. III - Precedentes do STF, do STJ e do TJSP: RE n. 108.846/SP, REsp n. 112.423/SP, AI n. 82.679?2, AI n. 102.724?2 e AI n. 104.029?2. IV - Recurso especial conhecido e provido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas: Decide a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e dar?lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro?relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram de acordo os Srs. Ministros Ari Pargendler, Hélio Mosimann e Peçanha Martins. Custas, como de lei. Brasília, 15 de dezembro de 1997 (data do julgamento). Ministro PEÇANHA MARTINS, Presidente. Ministro ADHEMAR MACIEL, Relator. Publicado no DJ de 02?03?98. RELATÓRIO O SR. MINISTRO ADHEMAR MACIEL: Wenceslau Gomes da Silva e Odila Beatriz Deiroz da Silva ajuizaram ação de indenização por desapropriação indireta contra o Distrito Federal. Alegaram que o Distrito Federal impôs tantas restrições à utilização e à venda dos imóveis dos autores, que não restou outra opção senão requerer o pagamento de indenização por desapropriação indireta. O Distrito Federal contestou a ação. Apresentou, ainda, exceção de incompetência, tendo em vista o interesse da União no feito. Wenceslau Gomes da Silva e Odila Beatriz Deiroz da Silva apresentaram réplica. Em seguida, a União ingressou no processo como litisconsorte passiva. Requereu a remessa dos autos à Justiça Federal. Posteriormente, os autos foram enviados à Justiça Federal. O então Juiz Federal Garcia Vieira, que ora abrilhanta esta Corte, nomeou perito e determinou a intimação das partes para apresentarem quesitos e assistentes técnicos. O perito apresentou o laudo. O assistente técnico do Distrito Federal também apresentou laudo. Por fim, as partes apresentaram memoriais a título de alegações finais. O então Juiz Federal Vicente Leal, que também ora abrilhanta esta Corte, julgou improcedente a ação, ao fundamento de "que as terras questionadas pertencem à União Federal" (fl. 634). Inconformados, Wenceslau Gomes da Silva e Odila Beatriz Deiroz da Silva apelaram. Conduzida pelo voto proferido pelo eminente Ministro Carlos Mário Velloso, a 4ª Turma do extinto TFR deu provimento à apelação para cassar a sentença, e determinar o prosseguimento da ação perante a primeira instância. O acórdão unânime restou assim ementado: "Desapropriação indireta. Terras do Distrito Federal. I. A existência da propriedade privada, no território que constitui o atual Distrito Federal, está reconhecida pelas Leis ns. 2.874/56, 3.751/60, e Decreto?Lei 203/67. A incorporação, pois, das terras do Planalto Central ao domínio da União, far?se?á pela desapropriação, com respeito à propriedade particular. Assim, em cada caso, verificar?se?á se o domínio privado é certo. No caso de dúvida fundada, a esse respeito, proceder?se?á na forma do disposto no art. 34, parágrafo único, do D.L. 3.365/41. II. Impossibilidade de os autores da ação de indenização (desapropriação indireta) serem julgados desta carecedores, ao argumento de que as terras situadas no novo Distrito Federal seriam do domínio da União. III. Recurso provido" (fl. 799). Inconformada, a União interpôs embargos de declaração. Conduzida pelo voto proferido pelo eminente Ministro Carlos Mário Velloso, da 4ª Turma do extinto TFR, rejeitou os embargos. O acórdão unânime restou assim ementado: "Processual Civil. Embargos de declaração. I. Omissão inexistente, por isso que o acórdão, ao dar provimento ao apelo, decidiu pela impossibilidade de os autores serem julgados carecedores da ação, ao argumento de que as terras situadas no novo Distrito Federal seriam do domínio da União. II. Embargos rejeitados" (fl. 812). Não se dando por vencida, a União interpôs recurso extraordinário, fundado nas alíneas a e d do art. 119 da Carta pretérita. Alegou que o acórdão proferido pelo extinto TFR violou o art. 515 do CPC, o art. 34 do Decreto?Lei n. 3.365/1941, o art. 2º, I, do Decreto?Lei n. 203/1967, o art. 94 do regulamento baixado com o Decreto n. 1.318/1854 e o art. 3º da Constituição de 1891. Invocou em seu favor precedente do TJSP e do 1º TACivSP. Foram apresentadas contra?razões. O recurso extraordinário foi inadmitido pelo eminente Ministro Gueiros Leite, vice?presidente do antigo TFR. Irresignada, a União interpôs agravo de instrumento para o STF, o qual foi provido pelo eminente Ministro Célio Borja. Por conseqüência, os autos subiram ao STF. Em seguida, o eminente Ministro Célio Borja determinou a baixa dos autos ao STJ para fins de julgamento do recurso no tocante às questões infraconstitucionais. Baixados os autos a esta Corte, o recurso foi distribuído ao saudoso Ministro Armando Rollemberg, que concedeu vista ao Ministério Público Federal. O Parquet opinou pelo provimento do recurso. Mais para a frente, o Ministro Rollemberg deu?se suspeito por motivo íntimo (fl. 868). O recurso foi redistribuído ao eminente Ministro Américo Luz. Como o eminente Ministro Américo Luz tomou posse como Vice?Presidente desta Corte, o recurso foi redistribuído ao eminente Ministro William Patterson. Com a transferência do Ministro Patterson para a 6ª Turma deste STJ, os autos me foram redistribuídos. É o relatório. VOTO O SR. MINISTRO ADHEMAR MACIEL (Relator): Senhor Presidente, o recurso especial merece prosperar. Tendo em vista a complexidade do caso, e para que V. Exas. possam compreender a questão em sua integralidade, trancrevo a sentença proferida pelo então Juiz Federal Vicente Leal: "Vistos etc. Wenceslau Gomes da Silva e sua mulher, qualificados às fls. 4, promovem ação ordinária contra o Distrito Federal, postulando indenização por desapropriação indireta, com fundamento em disposições da Carta Magna e do Código Civil Pátrio. A ação foi ajuizada perante a 4ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal. Na longa peça inaugural, alegam os promoventes, em síntese: a) que são legítimos donos, a justos títulos, de glebas de terras situadas em Planaltina - Distrito Federal, à margem esquerda da Rodovia BR?020, à beira da Lagoa Bonita, na forma que descreve (fls. 5/11); b) que as mencionadas glebas pertenciam a Hozannah Campos Guimarães, que adquirira de Rubens Sabino de Freitas, sendo oriundas da divisão judicial da Fazenda Lagoa Bonita, a qual teve por base o registro paroquial efetuado em 18.09.1858 por João Gomes Rabelo e filhos, em consonância com a Lei Imperial n. 601/50 e com o Decreto 1.318, de 1854; c) que, em conseqüência de aquisições e permutas, restou certo o domínio dos autores sobre uma área de 635,77 hectares, na qual idealizaram construir um Clube de Campo e Pesca, com áreas destinadas à recreação e residências campestres; d) que, posteriormente, o autor?varão resolveu, com base no Estatuto da Terra, lotear a propriedade para fins agrícolas, o que foi aprovado pelo INCRA e registrado no 3º Cartório do Registro de Imóveis do DF; e) que, ao iniciar a venda dos lotes, em janeiro de 1976, o autor?varão foi indiciado em inquérito policial sob a acusação de venda de loteamento irregular, o qual foi arquivado por despacho judicial fundado em parecer do Ministério Público, que demonstrou a absoluta inexistência de crime; f) que o Governo do Distrito Federal procurou, além disso, obstacular a venda dos lotes, fazendo publicar nota oficial e impedindo o Oficial do Registro de Imóveis a registrar as escrituras públicas de compra e venda, do que resultou processo de dúvida, julgado procedente em segundo grau de jurisdição; g) que, em face do obstáculo criado pela administração do Distrito Federal, impeditivo da realização do loteamento, os autores promovem a presente ação, com base em precedentes judiciais que equiparam ao apossamento administrativo as restrições impostas pelo Poder Público ao direito de propriedade, no seu tríplice alcance de uso, gozo e disposição. No final, pedem que o Distrito Federal seja condenado a pagar aos autores ´a indenização pela terra nua, a indenização pelas perdas e danos que causou aos autores, os lucros cessantes, que se apurarem em perícias avaliatórias, mais os juros compensatórios, juros legais, correções monetárias, honorários de advogado (...), custas processuais, despesas extrajudiciais e demais cominações legais´ (sic). A inicial é instruída com documentos (fls. 45/265). Contestando a ação, o Distrito Federal sustenta, preliminarmente, que aos autores falta legitimidade para a causa, pois as glebas mencionadas são de propriedade da União Federal, pois se encontram encravadas no Quadrilátero Cruls, área transferida para o domínio da União pela Constituição de 1891. Acentua que, nos termos do DL n. 203/67, somente estão excluídas da propriedade da União as terras que tenham sido objeto de regular transferência dominial, sendo certo que, no caso, não há registro de ato aquisitivo do imóvel com força probante absoluta. Aduz que as terras que nunca saíram do domínio da União Federal, pelos meios legalmente reconhecidos, continuam a pertencê?la, a despeito de títulos eventualmente exibidos. Verbera, ainda, que a cadeia sucessória não foi demonstrada e, de outra parte, o ´assentamento com vigário foi instituído com finalidade censitária´, sem eficácia translativa de domínio. No mérito, nega a ocorrência de apossamento administrativo e acentua que não opôs obstáculo ao uso das terras segundo a sua destinação econômica - o cultivo e o pastoreio -, sendo certo que as limitações impostas se fundam no poder de polícia. Pede, no final, que a ação seja julgada improcedente, com as cominações de praxe, e junta documentos (fls. 281/317). Os autores oferecem réplica às fls. 320/341 dos autos, refutando a preliminar suscitada na resposta e reafirmando os argumentos expendidos na inicial. A réplica é instruída com documentos (fls. 342/421). O Distrito Federal, com base nos argumentos expendidos na contestação, ofereceu exceção de incompetência, que foi acolhida pelo MM. Juiz processante, o qual declinou da competência em favor deste Juízo Federal (processo apenso). A União Federal, intervindo no processo na qualidade de assistente litisconsorcial, reafirma, em longas razões, a tese expendida na resposta do Distrito Federal (fls. 434/439). Ordenada a realização de perícia, esta se processou de forma regular, estando o laudo oficial às fls. 512/521 dos autos. O assistente técnico do réu ofereceu laudo em separado (fls. 547/556). Os autores juntaram outros documentos (fls. 562/585). No final as partes apresentaram memoriais (fls. 596/620). É o relatório. A seguir, os fundamentos e a decisão. Primordialmente, tenho como de capital importância o questionamento, preliminarmente suscitado pelo réu e pela União Federal, em torno da propriedade as terras objeto da ação. Tal é a sua relevância que da solução que se lhe encontrar resultará, necessariamente, o deslinde de toda controvérsia posta em tela de juízo. Isto porque: a) se as terras questionadas forem, como inicialmente alegado, do domínio particular dos promoventes, com base em títulos legítimos, sem dúvida alguma a ação terá objeto e o seu deslinde, sob o enfoque de expropriação, mesmo indireta, poderia ensejar a discussão sobre se da competência da Justiça Federal ou se da Justiça do Distrito Federal. b) se, todavia, as referidas terras pertencerem à União Federal, conforme expendido na contestação do Distrito Federal e reafirmado pela douta Procuradoria da República, então a ação carecerá de objeto e, imperativamente, se haverá de pôr termo ao feito na esfera de competência deste Juízo Federal. Os autores buscam esteio, para o seu direito, na presunção estabelecida no art. 859 do Código Civil, segundo o qual ´presume?se pertencer o direito real à pessoa, em cujo nome se inscreveu, ou transcreveu´. E invocam, em seu prol, o registro •••
(STJ, RSTJ, Vol. 107, p. 97)