SIMULAÇÃO: A HIPOCRISIA NO ATO JURÍDICO
Entre os defeitos que podem anular os atos jurídicos, a simulação e a fraude contra credores são os dois chamados vícios sociais. Distinguem-se dos denominados vícios de consentimento, que são o erro, o dolo e a coação, porque, nestes, a vontade no consentimento aparece viciada, enquanto naqueles a vontade geradora do negócio anulável não sofreu constrangimento ou foi comprometida por qualquer fator incidental externo ao ato negocial. Estabelece o artigo 86 do Código Civil que “são anuláveis os atos jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial.” O erro substancial que caracteriza a simulação é a declaração enganosa da vontade, com a qual se busca atingir um objetivo (ou efeito) diferente daquele que deveria juridicamente produzir. A simulação, assim, alicerça-se na aparência de ser o ato jurídico o que na verdade não é, com o objetivo intencional de enganar para obtenção de um efeito (ou de um proveito) completamente diverso daquele que o ato jurídico ostenta. Na lição de Washington de Barros Monteiro, “como o erro, simulação traduz uma inverdade. Ela caracteriza-se pelo intencional desacordo entre a vontade interna e a declarada, no sentido de criar, aparentemente, um ato jurídico que, de fato, não existe, ou então oculta, sob determinada aparência, o ato realmente querido. Como diz Clóvis, em forma lapidar, é a declaração enganosa da vontade, visando a produzir efeito diverso do ostensivamente indicado.” (Curso de Direito Civil, Parte Geral, 1º vol., 32ª ed., Saraiva, 1994, p. 207). Para Silvio Rodrigues, “negócio simulado, portanto, é aquele que oferece uma aparência diversa do efetivo querer das partes. Estas fingem um negócio que na realidade não desejam. Encontram-se aí os elementos básicos caracterizadores da simulação, pois nela é elementar a existência de uma aparência contrária à realidade. Tal disparidade é produto da deliberação dos contraentes. (...) Trata-se, portanto, de uma burla, intencionalmente construída em conluio pelas partes que almejam disfarçar a realidade enganando terceiros.” (Direito Civil, Parte Geral, 14ª ed., Saraiva, 1984, vol. I, p. 218). É a hipocrisia presente no ato jurídico, porque deliberadamente aparenta ser o que não é, ou porque, sob determinada aparência, oculta o que na realidade se pretende: mentir para enganar, com a intenção de locupletamento ilícito ou de prejudicar terceiros ou, ainda, de violar disposição de lei. Hipocrisia, segundo definição de nossos dicionários, é o “vício que consiste em se aparentar uma virtude, um sentimento que não se tem; fingimento; falsidade; afetação duma virtude, dum sentimento louvável que não se tem, impostura, fingimento, simulação, falsidade.” (Grande Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa - Nova Cultural, 1999; Novo Dicionário Aurélio, Editora Nova Fronteira, 1975). Darcy Arruda Miranda, todavia, parece estabelecer uma distinção entre simulação e dissimulação, ao citar a expressão de Clóvis (acima reproduzida por Washington B. Monteiro), ao dizer que “a dissimulação representa um fingimento, um disfarce, um encobrimento das próprias intenções.” (Anotações ao Código Civil, 2ª ed., Saraiva, 1986, 1º vol., p. 71). A distinção faz sentido apenas para especificar as duas espécies de simulação: a absoluta e a relativa. Na primeira, o ato aparente serve para fingir uma relação jurídica que nada esconde. Na segunda, o ato aparente tem por objetivo encobrir um outro negócio que somente pode ser atingido pela dissimulação, pelo disfarce, pelo fingimento. Em ambos os casos, entretanto, ocorre o conluio das partes, para, mediante o disfarce da realidade, burlar a credibilidade do ato e atingir o objetivo de prejudicar terceiros ou violar a lei. Não tenho a arrogância de pretender polemizar com os doutos, mas, por não estar convencido da premissa, ouso divergir da tese. Ora, se há simulação, quando, no dizer de Clóvis, ocorre “uma declaração enganosa da vontade, visando a produzir efeito diverso do ostensivamente indicado”, há também dissimulação, na medida em que a declaração enganosa da vontade é sedimentada no “encobrimento das próprias •••
Antonio Sérgio Albergaria Pereira (*)