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BDI Nº.32 / 1998 - Comentários & Doutrina Voltar

DIREITOS REAIS DE GARANTIA

Narciso Orlandi Neto ( * ) O registro de imóveis surgiu na legislação do Brasil em razão da hipoteca. Não propriamente da hipoteca, mas do sistema de crédito. Quem empresta dinheiro quer garantia, e a melhor garantia é a terra. O melhor instrumento dessa garantia sempre foi a hipoteca. Mas o sistema começou a sentir dificuldades, porque a publicidade do direito de propriedade, fundamental para a garantia, já não era suficiente. O modo de aquisição da propriedade imóvel, pela tradição, já são satisfazia às exigências. A transmissão da propriedade sem tradição passou a ser um risco para os credores. O registro da propriedade foi a solução, com a eficácia da publicidade ligada a ele. O direito real de garantia, na verdade, é a subordinação de uma coisa à satisfação de uma obrigação, de uma dívida. Pode ser um bem móvel ou um bem imóvel. O crédito da pessoa é proporcional a seu patrimônio. Por quê? Porque o credor que empresta dinheiro, sabe que se o devedor tem patrimônio, terá como cobrar aquela obrigação, cobrar aquela dívida. Se o devedor não pagar, executará a dívida em cima desse patrimônio, esto é, "venderá" os bens do devedor para se pagar. Em princípio, todo o patrimônio de uma pessoa responde por todas as suas obrigações. Em outras palavras, todos os credores concorrem, em igualdade de condições, em caso de inadimplência, ao patrimônio do devedor. Mas existe a possibilidade, dentro do Direito, de alguns credores, ou de algum credor, destacar bens do patrimônio do devedor para garantir o seu crédito, isoladamente. Faz isso, é claro, com a concordância do devedor. Então, se a dívida não for paga, mesmo que haja outros credores, ele vai penhorar aquele bem especificamente e levá-lo à praça para, com o produto da arrematação, pagar-se. Quando se separa um bem do patrimônio de uma pessoa para garantir especificamente uma obrigação por ele assumida, constitui-se um direito real de garantia, que é um direito real sobre coisa alheia. Por que ele é real? Porque incide diretamente sobre uma coisa, e sobre coisa que pertence ao devedor, que não perde a propriedade. Ele só a perderá se a garantia for executada, se o bem tiver de ser levado à praça para, com o produto da arrematação, pagar-se o credor. Observe-se que sua existência depende de um outro direito, de uma outra relação, que é a relação de crédito. Diz-se então que o direito real de garantia é sempre acessório. Está sempre vinculado a uma obrigação. Extinta a obrigação, extingue-se também o direito real de garantia. Hoje, no nosso sistema, os direitos reais de garantia sobre coisa alheia são o penhor, a anticrese e a hipoteca. Em comum, têm algumas características. A indivisibilidade é uma delas. Significa que, se vários bens estão garantindo a satisfação de uma obrigação, enquanto esta obrigação não for totalmente liquidada, todos eles continuarão vinculados à garantia. Mesmo que, por exemplo, 80% da dívida tenha sido paga, não tem o devedor direito de liberar alguns desses bens. Todos eles garantem toda a obrigação e cada uma das prestações em que ela foi dividida. Nas incorporações é comum a exceção, previamente acordada. Na construção de unidades autônomas, o incorporador ou construtor combina com o banco, que é o financiador, a possibilidade de "desligamento". O construtor dá todo o imóvel em hipoteca; à medida que vende unidades autônomas, com a concordância do credor, desliga-as da garantia. O adquirente paga a construtora ou o incorporador e refinancia o saldo devedor, dando em hipoteca a unidade ao mesmo financiador. É outra hipoteca, porque a dívida é outra, como outro é o devedor. Se há uma dívida pulverizada entre vários credores, o bem dado em garantia garante toda a dívida e cada uma das partes de cada um dos credores. Ela é indivisível. Todo o objeto da garantia está a disposição da obrigação toda, em relação a cada um dos credores. Os direitos reais de garantia caracterizam-se também por permitirem a seqüela, ou seja, o credor executa a dívida "em cima" da garantia, qualquer que seja seu proprietário atual. É sabido que, como regra geral, nenhum direito real de garantia impede a alienação do bem. O fato de ter constituído o direito real de garantia, não implica, para o proprietário, perda da disponibilidade. Ele pode vender, por exemplo, o imóvel hipotecado. Não há nenhum obstáculo ao negócio e ao registro. Só que, quem adquirir, irá adquirir com o ônus, significando que o credor poderá perseguir o imóvel hipotecado em poder de quem quer que seja. É o direito de seqüela. Outra característica do direito real de garantia é a preferência, ou o direito de prelação. Excluindo os credores sem garantia real, o que a tem, tem preferência sobre aquele bem. Num concurso de credores, tem preferência em relação aos demais, significando que aquele determinado bem é separado para garantir a satisfação de seu crédito. Primeiro ele se paga. Depois, com o que sobrar, se houver sobra, os outros credores se pagarão. Se aquele for o único bem do patrimônio do devedor, só aquele credor será pago. Aí está a preferência, a prelação sobre o bem que foi dado em garantia real. O direito de preferência não é absoluto. A lei prevê os privilégios. O Código Civil estabelece alguns privilégios, que prevalecem sobre os direitos reais de garantia. O Código Tributário reza que o crédito das Fazendas tem privilégio. Num concurso de credores, primeiramente será paga a Fazenda Nacional, depois a Fazenda Estadual, depois a Fazenda Municipal. O credor com direito real de garantia vem depois. Mas antes das fazendas, se houver créditos trabalhistas, destes será o privilégio. Antes do Código Civil e das leis hipotecárias de 1.864 e 1.890, nosso sistema previa a possibilidade de existência de hipotecas ocultas e gerais que, por lei, oneravam todo o patrimônio do devedor. Eram hipotecas chamadas ocultas porque, na falta de publicidade, ninguém sabia delas. Além de ocultas, eram gerais, porque não especializadas. A insegurança era a regra. À medida que o credor, que confiara no patrimônio do devedor, era surpreendido com sua existência. A segurança veio quando a lei hipotecária passou a exigir que as hipotecas fossem sempre especializadas. A especialização consiste exatamente em determinar, dentre os bens que compõem o patrimônio do devedor, qual o que vai garantir determinada obrigação. especializa-se o bem e especializa-se a dívida. A especialização da dívida compreende o nome do credor, o nome do devedor, o principal, os juros, a correção monetária, os critérios de atualização, tudo enfim quer que permita tornar líquido o valor pelo qual foi dado o direito real de garantia. A especialização é feita no título. Vale lembrar, como característica dos direitos reais de garantia, a proibição do pacto comissório. O credor não pode ficar com o bem em pagamento da dívida garantida. Penhor e hipoteca O penhor é um direito real de garantia que só incide sobre bens móveis, não existe penhor de imóveis. Não se deve confundir penhora, que é um instituto processual, com penhor. O penhor é um direito real de garantia. Por definição o penhor implica a entrega do bem móvel ao credor, que fica como depositário. Exemplo •••

Narciso Orlandi Neto ( * )