Aguarde, carregando...

BDI Nº.20 / 2014 - Comentários & Doutrina Voltar

Fiança assinada sem outorga uxória é juridicamente nula

Recentemente o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reformou uma sentença para declarar a nulidade da fiança prestada sem outorga uxória, aplicando ao caso o entendimento remansoso dos tribunais do país sintetizados na Súmula 332 do STJ. A decisão está disponível na internet, no site do TJ-RS. Andou bem o acórdão. Mas instiga a inteligência a aprofundar a investigação sobre a questão, à medida que alguns pontos ainda existem merecedores de melhor atenção por parte do intérprete e do aplicador da norma jurídica. O artigo 1.650 do Código Civil brasileiro, dispositivo no qual se fundou o julgado, reza que “a decretação de invalidade dos atos praticados sem outorga, sem consentimento, ou sem suprimento do juiz, só poderá ser demandada pelo cônjuge a quem cabia concedê-la, ou por seus herdeiros”. Não obstante sua literalidade, deve ser lido cum grano salis, para que a falta da outorga uxória não seja causa de dano a terceiro que, de boa-fé, haja adquirido bens, principalmente bem imóvel, pertencente ao casal, isto é, à sociedade conjugal. De fato, o artigo 1.650 do CC, que repete com nova redação a provisão que havia no artigo 239 do seu antecessor, mas sem inovação semântica, estabelece a legitimidade para a decretação da invalidade do ato praticado sem outorga, consentimento ou suprimento judicial, ao cônjuge ou seus herdeiros. Uma leitura açodada desse dispositivo, divorciada dos fins previstos pela lei, ou seja, apartada do norte estatuído no artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), e dos princípios enfeixados pela própria novel codificação, acarretaria que o companheiro, assim entendido aquele que mantém relação de união estável com outra pessoa, não seria parte legítima para pleitear a invalidade do ato praticado sem a sua aquiescência ou sem suprimento judicial. Vale notar, a união estável regula-se pelo regime da comunhão parcial de bens (artigo 1.725) sempre que não estiver regulada por contrato escrito firmado entre as partes, de modo que a ela também se aplicam as regras sobre o patrimônio da sociedade conjugal estabelecida sob o regime da comunhão parcial de bens. Já por aí deflui a percepção de que a leitura do artigo 1.650 em sua estrita literalidade não alcança os fins para que foi concebido, pois o legislador disse menos do que pretendia. Em caso quejandos, sempre que lex dixit minus quam voluit, cumpre ao aplicador da norma colmatar a lacuna de conteúdo faltante. Mas ao desempenhar esse mister não pode distanciar-se dos fins que a norma inspira, sob pena de invadir a competência do legislador. Ao contrário, deve desincumbir-se dessa tarefa para dar à norma máxima harmonia com o sistema ao qual pertence. Nessa senda, pode se sustentar, com amparo no plexo principiológico adotado pelo atual CC, notadamente o princípio da eticidade, também o termo herdeiros não faz justiça ao espírito da norma, devendo ser entendido como sucessores a qualquer título para aí incluir os sucessores da sociedade conjugal — do casal — por ato inter vivos. Igualmente, a consequência jurídica prevista na regra legal, a invalidade do ato praticado sem outorga, consentimento ou suprimento •••

Sérgio Niemeyer*