Venda de imóvel tombado e a caracterização da evicção
O tombamento constitui forma de intervenção do Estado na propriedade privada visando à preservação do patrimônio cultural brasileiro e, consequentemente, da memória nacional. A modalidade restritiva encontra abrigo no Art. 216, § 1º da Constituição Federal, segundo o qual “o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.” (destaque do expositor). Por sua vez, o Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937 veio à lume para organizar a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, dispondo no seu Art. 1º que: “Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. Segundo clássica, porém atual definição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto[1], tombamento seria, portanto: “(...) a intervenção ordinatória e concreta do estado na propriedade privada, limitativa do exercício de direitos de utilização e disposição, gratuita, permanente e indelegável, destinada a preservação, sob regime especial, dos bens de valor cultural, histórico, arqueológico, artístico, turístico e paisagístico. De modo semelhante, em obra recente Marçal Justen Filho[2] o define como: “(...) regime jurídico específico, imposto por ato administrativo unilateral de cunho singular, quanto ao uso e fruição de coisa determinada, cuja conservação seja de interesse da coletividade e que acarreta o dever de manter a integridade do objeto, podendo gerar direito de indenização”. Trata-se, portanto, de relação vertical, impositiva e coercitiva do Estado, através do seu poder de império, em face do particular. No entanto, embora importe em restrição quanto ao modo de usar, fruir e dispor do bem[3], que deve ser compatível com a preservação de sua identidade, o tombamento não afeta o direito de disposição da coisa, ainda que assegure preferência em relação ao poder público[4]. Daí porque o proprietário de imóvel tombado tem a plena liberdade de aliená-lo, desde que o poder público, uma vez devidamente notificado, não demonstre interesse na compra do bem. Ocorre que, não raro, o adquirente do bem pode vir a desconhecer o transcurso de procedimento administrativo de tombamento que sobre ele incide[5], vindo a surpreender-se, posteriormente à venda, com o seu registro definitivo e, devido às restrições daí decorrentes, voltar-se contra o alienante apontando uma suposta evicção. O vocábulo “evicção” vem do latino “evictio” – de evencere (evencer, desapossar judicialmente) –, que significa •••
Samuel Mota de Aquino Paz*