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Decreto nº 5058 de 16/08/1872 / PE - Poder Executivo Federal
(D.O.U. 31/12/1872)

Autoriza o barão de Mauá a estabelecer e explorar um cabo telegraphico submarino entre o Imperio do Brasil e o reino de Portugal e suas possessões.

DECRETO N. 5058 - DE 16 DE AGOSTO DE 1872

Autoriza o barão de Mauá a estabelecer e explorar um cabo telegraphico submarino entre o Imperio do Brasil e o reino de Portugal e suas possessões.

Attendendo á conveniencia de se estabelecer, no mais breve prazo, communicação telegraphica entre o Brasil o continente européo, e mostrando-se o Barão de Mauá habilitado para realisar esse serviço com exigencias menores e a maior celeridade possivel, mediante accôrdo com as companhias telegraphicas inglezas, ás quaes o governo portuguez concedeu preferencia para ligar aquelle reino com suas possessões atlanticas ao territorio do Brasil: Hei por bem Conceder ao referido Barão de Mauá autorização para estabelecer e explorar um cabo telegraphico submarino entre o Imperio do Brasil o reino de Portugal, tocando nas possessões portuguezas, conforme as concessões que fizer ou tenha feito governo de S. M. Fidelissima, e sob as clausulas que com este baixam, assignadas pelo Visconde de Itaúna, do Meu Conselho, Senador do Imperio, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio Obras Publicas, que assim o tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio de Janeiro, em dezaseis, de Agosto de mil oitocentos setenta e dous, quinquagesimo primeiro da Independencia e do Imperio.

Com a rubrica de Sua Magestade o Imperador.

Visconde de Itaúna.

Clausulas para a collocação de um cabo telegraphico transatlantico, a que se refere o Decreto nº 5058 de 16 de Agosto de 1872
I

O ponto da amarração do cabo, na costa do Brasil, será o mais proximo possivel do cabo de S. Roque ou da capital da provincia de Pernambuco.

Poderá o concessionario estabelecer linhas aéreas, subterraneas ou submarinas, para ligar o cabo desde o ponto em que fôr preso na costa do Brasil até encontrar as linhas terrestres, ou para internar a sua principal estação no intuito de melhor preserval-a de qualquer ataque externo.

II

A linha do Brasil ao continente portuguez deverá estar completa antes ou até 31 de Dezembro de 1874. Não somente estará estabelecido todo o cabo submarino, mas tambem aberto o serviço telegraphico entre as duas nações.

III

Só será concedida prorogação deste prazo se houver necessidade de substituição ou reparação do cabo, por accidente que nelle occorra durante a immersão, ou por defeito que se revele depois de estabelecido, e no caso de força maior de outra natureza, se o governo o julgar sufficientemente provado, e entender conveniente ao interesse do Estado a concessão de novo prazo.

IV

A estação terminal no Brasil, em communicação dieta com a do continente portuguez, será dirigida e trabalhada por empregados do concessionario sujeitos á fiscalização do governo brasileiro.

O governo estabelecerá no mesmo edificio, ou, sendo impossivel, em edificio contiguo, a sua repartição telegraphica, para a recepção e expedição dos despachos procedentes do exterior para o Brasil e vice-versa.

No primeiro caso, o governo indemnizará as despezas necessarias para accommodar a sua repartição. Se houver algum edificio do Estado conveniente para a estação terminal da empreza, o governo concederá o seu uso, se a concessão fôr possível, gratuitamente ou sob as condições que ajustar com o concessionario.

V

O periodo do privilegio ao concessionario será de vinte annos, dentro dos quaes o governo não concederá o estabelecimento de outro cabo entre o Brasil e a Europa, nem entre o Brasil e as possessões portuguezas.

VI

Todos os telegrammas ou despachos do Brasil para a Europa e possessões portuguezas chegarão ás mãos dos empregados da estação terminal no Brasil por intermedio dos empregados do governo, conforme as instrucções que este expedir; outrosim todos os despachos ou telegrammas para o Brasil serão pelos empregados da empreza entregues nas repartições ou aos empregados do governo no Brasil, que para esse fim forem pelo mesmo governo designados.

Fica entendido que o governo do Brasil poderá ter, se lhe convier, nas estações da empreza na Europa e possessões portuguezas, ou em qualquer outra parte a que se estenda a mesma communicação telegraphica, até dous empregados seus para fiscalisarem a expedição dos telegrammas officiaes destinados ao governo e autoridades do Imperio.

VII

O concessionario tem obrigação de conservar o cabo sempre em condições de bem trabalhar, de preencher fiel e pontualmente todas as clausulas deste contracto, e de communicar sem demora ao governo qualquer occurrencia que possa vir a causar ou cause interrupção no serviço.

VIII

Se qualquer interrupção do serviço telegraphico com a Europa se prolongar por 18 mezes, o governo poderá declarar nulla e sem mais efeito a presente concessão, e passal-a a quem lhe aprouver. Excepto se o concessionario apresentar ao governo a prova, por meio de exame de peritos, de que o cabo não póde soffrer reparação e necessita ser substituido, caso em que o governo poderá conceder novo prazo para o assentamento de outro cabo.

IX

O governo não se responsabilisa pelos prejuizos que ao concessionario possam causar as avarias que se derem nas linhas brasileiras pertencentes ao Estado.

X

No fim dos 20 annos do privilegio exclusivo, o concessionario terá o gozo do cabo ou cabos que houver submergido, por outro prazo igual, mas sem privilegio algum.

XI

Se no 1º de Janeiro de 1885 ou de qualquer outro anno subsequente o numero dos telegrammas entre o Brasil e a Europa, transmittidos pelo cabo submarino, durante os doas ultimos annos, tiver attingido uma média equivalente a 300 telegrammas diarios de 20 palavras, o governo poderá exigir do concessionario que estabeleça um segundo cabo, dentro do prazo de dous annos, a contar da data da intimação desta exigencia.

A recusa por parte do concessionario ou o facto de não haver elle participado, dentro de seis mezes da intimação, que se está apromptando o novo cabo e tomando as providencias para o mergulhar, deixará o governo livre para conceder novas linhas submarinas entre o Brasil e Portugal e suas possessões, ou qualquer outra parte da Europa.

XII

A tarifa dos telegrammas ou despachos transmittidos pelo cabo será fixada pelo concessionario, não podendo o custo de um telegramma de 20 palavras exceder de 140 francos da costa do Brasil para a de Portugal, de 125 francos para a ilha da Madeira, e de 80 francos para a Ilha de S. Vicente de Cabo Verde.

Se no 1º de Janeiro de 1877 ou de qualquer dos annos seguintes o numero dos telegrammas entre o Brasil e a Europa, transmittidos pelo cabo durante os dous ultimos annos decorridos até esse dia, exceder de uma média equivalente a 150 telegrammas diarios de 20 palavras, o maximo dos preços por telegramma de 20 palavras será reduzido deste modo: do Brasil para Portugal 120 francos, para a Ilha da Madeira 107f,50c., para a de S. Vicente 72f,50c.

Se a média calculada, como acima fica dito, exceder de 200 telegrammas diarios, o maximo se reduzirá deste modo: do Brasil para Portugual 110 francos, para a Ilha da Madeira 100 francos, e para S. Vivente 65 francos.

Os despachos de 10 palavras não poderão custar mais de metade dos preços marcados para os de 20 palavras.

Não se incluem nos preços da tarifa do concessionário as taxas das linhas accessorias terrestres ou maritimas, custeadas pelo governo ou por concessionarios, nem as taxas que Portugal ou outros paizes exijam nos seus territorios.

XIII

Os despachos officiaes dos governos do Brasil e de Portugal preferirão a quaesquer communicações particulares.

Na expedição dos telegrammas particulares, tanto do Brasil como do exterior para o Imperio, guardar-se-ha a ordem de sua apresentação, salvas as excepções que a tarifa estabeleça e faculte a todos sob iguaes condições.

XIV

Serão gratuitos os despachos officiaes entre o governo do Brasil e seus agentes no exterior, que se limitem a annunciar o apparecimento de alguma epidemia no Imperio, ou nos outros paizes, não excedendo de 10 palavras, ou pagarão sómente pelo que excederem desse limite.

Os despachos officiaes do governo serão pagos com o abatimento de 10 %.

XV

As observações meteorologicas serão transmittidas gratuitamente entre os observatorios do Rio de Janeiro e Lisboa, não podendo os telegrammas diarios exceder de dous para cada observatorio.

Quando se possam transmittir observações astronomicas para determinar posições geographicas, será tambem este serviço gratuito.

XVI

O governo expedirá as instrucções necessarias, segundo as quaes devam ser cobradas nas estações das linhas brasileiras as taxas pertencentes ao concessionario, de conformidade com as clausulas 12ª e 14ª.

A regularisação das contas entre o governo e o concessionario se effectuará no fim de cada mez, servindo o franco de unidade monetaria. A troca das contas de cada mez se fará durante o mez seguinte áquelle a que se referirem.

No prazo maximo de um mez da data desta remessa serão verificadas as contas.

A liquidação de cada conta, e o pagamento de seu saldo serão feitos por trimestres.

O saldo resultante da liquidação das contas será pago em francos pelo valor de 380 réis cada um, emquanto o cambio entre a praça do Rio de Janeiro e a de Londres estiver abaixo do par, e pelo de 350 réis no caso contrario.

Não serão admittidas reclamações nas contas a respeito dos despachos que tenham mais de 6 mezes.

XVII

Quando houver outra linha de communicação telegraphica para a Europa ou possessões portuguezas, o expedidor terá o direito de designar a linha que prefere. No caso de falta de indicação, o despacho será enviado pela linha de menor tarifa.

XVIII

O concessionario pôde reduzir as suas tarifas, sempre que o julgar conveniente, do que dará immediatamente parte ao governo. Reduzidas, porém, por arbitrio do concessionario, não poderão ser alteradas, para mais sem prévia autorização do governo.

XIX

O governo reserva-se o direito de tomar todas as medidas necessarias para fiscalisar a execução destas condições, e poderá mandar dous empregados seus assistir á immersão do cabo.

XX

O governo dará ao concessionario protecção e auxilio.

Conseguintemente:

Os cabos nas aguas do Brasil, os fios terrestres e as estações telegraphicas do concessionario serão considerados como fazendo parte da propriedade do Estado;

Os cabos, os fios terrestres para a juncção e material telegraphico, os navios empregados nas operações da sondagem e da immersão serão isentos dos direitos de alfandega e de quaesquer outros nos portos do lmperio.

Os cabos telegraphicos e os fios terrestres de que falla a condição 1ª, assim como sua exploração, não serão sujeitos a contribuição alguma ou imposto especial.

XXI

O governo fará um abatimento até 20 % ha tarifa de suas linhas para todos os telegrammas que atravessarem o cabo.

XXII

O concessionario poderá ligar telegraphicamente o Brasil com as ilhas chamadas da India Occidental e a do Senegal na costa d'Africa.

Esta concessão, porém, caducará, para os effeitos do privilegio, se não estiver aproveitada até o fim do anno de 1876. Mas se dentro deste prazo fôr aproveitada, ser-lhe-hão applicadas pelo modo possivel as condições anteriores deste decreto, especialmente as dos prazos do privilegio e exploração, e as das tarifas, tomando-se por base o preço dos despachos para a Europa, proporcionalmente, computado pelo numero de milhas do cabo.

XXIII

O concessionario poderá tambem estabelecer cabos pelo correr da costa do Brasil para os lugares que forem designados de accôrdo com o governo, se caducar a concessão da linha submarina, á que se refere o Decreto n. 4491 de 23 de Março de 1870.

XXIV

O concessionario dentro do prazo de seis mezes deverá depositar no Banco do Brasil a quantia de dez mil libras esterlinas em moeda ou titulo da divida publica.

Este deposito será reforçado com outro de igual quantia no prazo de um anno, se o governo o exigir, caso se convença que o concessionario não tem feito quanto podia para a fiel execução de seus compromissos.

Se o emprezario não realizar qualquer destes depositos perderá a concessão:

Se não realizar o segundo, tambem perderá o primeiro: e perderá ambos os depositos, se no prazo fixado o cabo não estiver assentado e funccionando.

Logo, porém, que o cabo esteja funccionando o concessionario poderá levantar os seus depositos.

XXV

O governo imperial procurará garantir por accôrdos internacionaes a neutralidade do cabo submarino.

XXVI

Se no dia 31 de Dezembro de 1874 o cabo submarino entre o Brasil e Portugal não estiver estabelecido e aberto o serviço telegraphico, a presente concessão, ipso facto, estará nulla de pleno direito, sem dependencia de acto algum mais por parte do governo, salva a clausula 3ª.

XXVII

O concessionario fica autorizado para entender-se com as companhias que obtiveram igual concessão do governo de Portugal, a fim de prompta e seguramente realizar as obrigações que contrahiu. Logo que as companhias cessionarias se obriguem em boa e devida fórma, a cessão será válida e sortirá os effeitos legaes, applicando-se a ellas o que neste Decreto se dispõe em relação ao concessionario.

O concessionario, ou as companhias que, como acima se autoriza, tomarem a si os direitos e obrigações das presentes clausulas, deverão ter no Brasil um representante com todos os poderes, para tratar e decidir quaesquer questões que por ventura se suscitem, quer entre o governo e as companhias, quer entre estas e os particulares.

XXVIII

As questões que suscitarem-se entre o governo e a empreza, a respeito de seus direitos e obrigações, serão decididas por arbitros.

Se as partes contractantes não concordarem n'um mesmo arbitro, cada uma nomeará o seu, e estes começarão os seus trabalhos por designar um terceiro, mujo voto será definitivo.

Se não houver accôrdo sobre o terceiro, cada arbitro escolherá um conselheiro de estado e entre estes decidirá a sorte.

Fica entendido que todas as questões da empreza, quér com o governo, quér com particulares, assim como todos os seus actos praticados no Brasil serão julgados e decididos de conformidade com a legislação do Imperio e nos tribunaes brasileiros.

Palacio do Rio de Janeiro, em 16 de Agosto de 1872. Visconde de Itaúna.