Teoria do Inadimplemento Antecipado é aplicável em atraso de obras.
Com a difícil situação econômica que o país tem atravessado, não é incomum encontrar diversos empreendimentos imobiliários paralisados. Muitas das vezes isso acontece por problemas no fluxo de caixa das incorporadoras/construtoras, que são obrigadas a interromper as obras.
Todavia, do outro lado, os promitentes e compromissários compradores se deparam com um problema: o prazo para entrega do empreendimento ainda não foi extrapolado, todavia, é praticamente impossível crer que o imóvel adquirido seja construído e entregue em curtíssimo espaço de tempo!
Imaginemos a seguinte situação: Um compromisso de compra e venda é firmado em março de 2016, com promessa de entrega do imóvel em abril de 2017 e possibilidade de dilação do prazo por mais seis meses, ou seja, o prazo final para entrega é outubro de 2017.
Em janeiro de 2017 o compromissário comprador nota que nem ao menos a fundação do empreendimento foi construída, e a cada dia que passa para verificar o “estágio da obra”, percebe que o projeto foi “abandonado”, o compromissário teme por ter imobilizado seu patrimônio em um imóvel cuja entrega é incerta.
O que fazer nessa situação? Tecnicamente o prazo contratual não foi descumprido, motivo pelo qual não poderia o adquirente desfazer o negócio por culpa da vendedora, como prevê a Súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça:
Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.
Todavia, para situações como essa, a doutrina e a jurisprudência têm admitido a aplicação da chamada “Teoria do Inadimplemento Antecipado”.
A melhor técnica ensina que, antes de mais nada, o adquirente deve requerer à construtora a apresentação do cronograma de obras, pois além de ser direito do compromissário/promitente comprador (remetemos o leitor aos Artigos. 31-D,IV e 43. IV, da Lei de Incorporações 4.591/64) é o único documento que pode comprovar que a Construtora está em dia com seu planejamento e entregará o imóvel no prazo prometido.
O cronograma de obras é documento elaborado por um engenheiro e mostra, em uma linha do tempo, o começo e o fim de cada uma das fases ou atividades da obra.
Na hipótese de não conseguir o cronograma de obras, é possível requerer o documento judicialmente. Contudo, caso o inadimplemento antecipado seja gritante, o documento é dispensável.
Ora, atualmente a resolução do contrato em caso de inadimplemento é potestativo do adquirente, conferido pelos artigos 474 e 475 do Código Civil Brasileiro e pela Súmula 543 do STJ, supracitada.
Contudo, para que se configure o inadimplemento antecipado de determinada obrigação, é imprescindível que sejam preenchidos três requisitos, nas palavras de Judith Martins-Costa:
(i) ocorra um inadimplemento imputável caracterizado como grave violação do contrato, possibilitando uma justa causa à resolução;
(ii) haja plena certeza de que o cumprimento não se dará até o vencimento;
(iii) caracterize-se, por parte do devedor uma conduta culposa, seja ao declarar que não vai cumprir, seja ao se omitir quanto aos atos de execução, recaindo em inércia de modo que o seu comportamento contratual nada indique no sentido da execução (comportamento concludente); Páginas 769-770. Judith Martins-Costa. A Boa-fé no Direito Privado. Editora Saraiva. 2ª Edição. 2018
Portanto, o promitente/compromissário comprador deverá demonstrar, de forma clara e inequívoca:
(i) O atraso na entrega do empreendimento, que dá ensejo a desfazimento do negócio;
(ii) Que as obras estão paralisadas e apesar de o prazo contratual não ter sido extrapolado, é irrefragável que a vendedora não conseguirá cumprir o contrato. (remetemos o leitor à cartilha – O Ciclo Da Incorporação Imobiliária – Elaborada pela Associação Brasileira das Incorporadoras)
(iii) Por fim, que o comportamento concludente da vendedora também está claramente configurado, uma vez que as obras estão paralisadas e, portanto, existe uma dicotomia com as obrigações previstas no compromisso/promessa firmado.
Logo, sendo reconhecida a hipótese de e descumprimento antecipado do contrato de compromisso de compra e venda, porque a vendedora toma atitude claramente contrária ao contrato firmado demonstrando de maneira categórica que não cumprirá o contrato, permite-se ao adquirente requerer a extinção do negócio, com devolução da integralidade dos valores pagos, corrigidos desde cada desembolso e, neste caso, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação judicial da vendedora no processo (nos termos do artigo 405 do Código Civil Brasileiro).
Importante ressaltar que o efeito principal do desfazimento é que as partes retornem aos status quo anterior à contratação (remetemos o leitor à Súmulas 2 e 3 do Tribunal de Justiça de São Paulo).
A título de conhecimento, cabe ressaltar nesse sentido já decidiu Ruy Rosado de Aguiar Júnior, no Recurso Especial 309.626 - RJ (2001/0029132-5), aplicando a teoria do inadimplemento antecipado:
"É possível o inadimplemento antes do tempo, se o devedor pratica atos nitidamente contrários ao cumprimento ou faz declarações expressas nesse sentido, acompanhadas de comportamento efetivo, contra a prestação, de tal sorte se possa deduzir, conclusivamente, dos dados objetivos existentes, que não haverá o cumprimento. Se esta situação se verificar, o autor pode propor a ação de resolução. O incumprimento antecipado ocorrerá sempre que o devedor, beneficiado com um prazo, durante e/e pratique atos que, por força da natureza ou da lei, faça impossível o futuro cumprimento. Além da impossibilidade, o incumprimento antecipado pode resultar de conduta contrária do devedor, por ação (venda do estoque, sem perspectiva de reposição), ou omissão (deixar de tomar as medidas prévias indispensáveis para a prestação), ou de declaração do devedor expressa no sentido de que não irá cumprir a obrigação".
Do mesmo modo, em São Paulo, já decidiu o desembargador do Tribunal de Justiça, Francisco Eduardo Loureiro:
RESOLUÇÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – [...] Pendências há vários anos passíveis de regularização - Descumprimento do prazo de 4 anos exigido para a execução das obras de infra-estrutura do loteamento - Inadimplemento antecipado do contrato - Aplicabilidade da 'exceptio non adimpleti contractus' - Inexigibilidade das parcelas vencidas do preço, até que o imóvel se encontre inteiramente regularizado e pronto para ser transferido ao domínio dos adquirentes - Efeito "ex tunc" da sentença resolutória - Restituição integral, atualizada e imediata das parcelas pagas – [...] (TJSP; Apelação Cível 9124416-43.2007.8.26.0000; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarulhos - 1.VARA CIVEL; Data do Julgamento: 10/07/2008; Data de Registro: 21/07/2008)
Assim, sendo iminente o descumprimento contratual da vendedora, ainda que antes do término do prazo contratual é plenamente possível que os promitentes/compromissários compradores requeiram a resolução do compromisso/promessa de compra e venda com base na “Teoria do Inadimplemento Antecipado”.
Revista Consultor Jurídico, 18 de novembro de 2018, 8h38