Regra mais rígida sobre imóvel comprado na planta só deve ajudar construtoras em 2021.
Na avaliação de especialistas, a legislação referente ao distrato pode desmotivar a compra de imóveis nesta modalidade
A construção civil celebrou a aprovação do projeto de lei que regulamenta a devolução de imóveis adquiridos na planta, o chamado distrato. O projeto, que passou na quarta-feira na Câmara dos Deputados e, agora, segue para sanção presidencial, atende a um grande interesse das construtoras: aumentar as multas sobre quem desiste de um imóvel comprado na planta. Hoje, as quantias aplicadas pela Justiça raramente superam 10% do valor investido. Pela legislação aprovada pelos senadores, a penalidade pode chegar a 50% sobre o que já foi desembolsado.
Apesar de boa para as empresas que atuam na construção civil, a nova lei dificilmente terá efeito no curto prazo, na visão de especialistas ouvidos pelo GLOBO. O motivo: a legislação mais dura com os desistentes só valerá para os imóveis vendidos após a sanção da lei pelo Palácio do Planalto. Como um imóvel demora em média de um a dois anos para ser erguido, o efeito da lei deve ser observado somente a partir de 2021.
Até mesmo agências de classificação de risco, como a Moody’s, que já soltaram relatórios com perspectivas positivas para o futuro das construtoras brasileiras, estão céticas sobre a capacidade da lei em resolver pendengas atuais do setor, como a recuperação judicial de grandes incorporadoras como PDG e Rossi.
“Como a lei não tem efeitos retroativos, uma queda mais brusca no nível de distratos é esperada no longo prazo”, diz Carolina Chimenti, analista de infraestrutura da Moody’s em São Paulo.
Até lá, o problema do distrato segue uma batata quente no balanço das construtoras. De acordo com os dados mais recentes da Abrainc, associação brasileira das incorporadoras, 27% das 115.930 unidades habitacionais entregues entre janeiro e agosto de 2018 haviam sido distratadas antes da entrega das chaves. É uma fatia menor que o recorde de 46% atingido no 3º trimestre de 2016, mas ainda distante do padrão até 2014, antes da crise, quando os distratos raramente passavam dos 10% do total.
Há quem acredite que as regras mais duras contra os compradores vão afastar possíveis compradores. Para Associação Brasileira de Mutuários da Habitação (ABMH), que reúne advogados especializados em ações judiciais por direitos habitacionais, o projeto de lei é um grande tiro no pé das construtoras.
“A lei do distrato do jeito que está no Congresso vai fazer o consumidor pensar duas vezes antes de investir altas quantias num imóvel na planta e correr o risco de perder até 50% do investido caso não consiga pagar as parcelas porque perdeu o emprego ou simplesmente mudou de ideia”, diz o advogado Vinicius Costa, presidente da ABMH, sediada em Belo Horizonte (MG).
A nova lei já vem causando uma mudança de ideia em consumidores como o servidor público mineiro Gustavo Freitas Caetano, de 35 anos. Morador de Belo Horizonte, nos últimos sete anos Caetano comprou três apartamentos na região metropolitana da capital mineira para investimento. Nos planos de Caetano, um novo investimento, de R$ 115 mil, será feito em 2019 na aquisição de mais um imóvel. Tudo pode mudar com a aprovação da nova lei.
“Além de o mercado não estar favorecendo muito o investimento em imóveis, se essa nova lei for aprovada vou desistir do plano, assim como a maioria dos investidores em imóveis que conheço. A nova lei só trouxe malefícios para o consumidor ao estabelecer uma multa elevada para o distrato e não criar regras mais duras contra as construtoras”, diz Caetano.
Mal menor
O risco de uma queda no interesse pela compra do imóvel na planta, por ora, é um mal menor na visão de lideranças do mercado imobiliário. Na visão deles, a compra e venda de imóveis no Brasil foi prejudicada nos últimos anos pela ação de investidores de pequeno porte sem os devidos recursos financeiros para levar adiante as prestações de muitas unidades habitacionais adquiridas de uma vez só. Por isso, a legislação é bem-vinda por coibir a ação de ‘aventureiros’ no setor.
“É preciso resgatar a cultura de cumprimento de contratos. O interessado num imóvel deve ter o devido preparo financeiro e pensar muitas vezes antes de assinar os papéis”, diz Flávio Amary, presidente do Secovi-SP, sindicato de empresas do mercado imobiliário do estado de São Paulo.
Por ora, impera o otimismo no setor. Desde que a proposta passou no plenário do Senado, em 20 de novembro, as ações de construtoras têm tido um bom desempenho na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo. O índice Imob, que reúne ações de construtoras, incorporadoras e demais empresas dessa cadeia, recuperou perdas ao longo deste ano e fechou o mês de novembro no mesmo patamar de setembro de 2013, antes da crise econômica que dragou o Brasil, e as construtoras em particular, dali em diante. A expectativa é que o resultado siga positivo com a aprovação da lei do distrato.
“A lei vai garantir que o setor consiga aproveitar o otimismo com a economia que, ao que tudo indica, deve ganhar força em 2019”, diz José Romeu Ferraz Neto, presidente do Sinduscon-SP, sindicato das construtoras do estado de São Paulo.
O PESO DA DESISTÊNCIA
Os distratos caíram, mas ainda representam mais de um quarto dos imóveis entregues no Brasil. Veja abaixo:
2014
Imóveis vendidos 131.251
Distratos 35%
2015
Imóveis vendidos 112.206
Distratos 42%
2016
Imóveis vendidos 103.203
Distratos 43%
2017
Imóveis vendidos 109.392